sábado, 2 de outubro de 2010

A expressividade na estética do graffiti



                                                         Tatiana Aparecida Moreira
                                                                                           
                                                                                                 (PMV/PMVV/UFES)


Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente no meio da travessia.

                                                                                               Grande Sertão: Veredas
                                                                                                  João Guimarães Rosa


Pensar o ético e o estético em um graffiti (artes plásticas do Movimento Hip Hop) pode parecer algo fora de alguns contextos. Qual contexto? Depende para quem essa pergunta é dirigida. Não basta apenas franzir a testa com ar de admiração ou quiçá desprezo. Basta ter uma atitude responsivo-ativa ou um excedente de visão? A fusão de ambos possibilita dialogar com este fazer estético, o graffiti, no qual são expressadas diferentes posturas e atitudes, como denúncia, questionamento, críticas, amor, união, entre outras, de “manos” e “minas” (os grafiteiros).

Se viver significa participar de um diálogo inconcluso (BAKHTIN, 2003), quando se pega o spray para fazer um graffiti, há uma relação dialógica que se estabelece entre grafiteiro e graffiti e entre este e o público que se deparará, nas ruas, com essa estética e poderá responder com respeito, estranheza, espanto, comoção ou de outras maneiras. Isso “[...] designa uma relação de tensão entre pelo menos dois lugares: a do sujeito que vive e olha de onde vive, e daquele que, estando de fora da experiência do primeiro, tenta mostrar que vê do olhar do outro” (AMORIM, 2006, p. 101). Ou seja, uma relação que acontece em nível exotópico.

Então, a proximidade ou o distanciamento do interlocutor em relação à obra vai depender de como esse graffiti o tocará: grave, médio ou agudo. A intensidade da energia de vibração poderá variar de acordo com a condução rítmica e harmônica com que o grafiteiro direciona o seu trabalho. Labor, prazer ou direito de expressão? Para muitos, a fusão dos três.

Assim, grafitar suscita atitude responsivo-ativa (BAKHTIN, 2003), uma vez que “[...] a imagem é a alteridade do que é [...], que encontra nos signos da arte a possibilidade de manifestar-se” (PONZIO, 2008, p. 211).

Como o graffiti, que é proveniente das periferias, está presente, principalmente, na paisagem urbana, a sua tecitura já faz parte do cotidiano das pessoas e isso pode confirmar o que Bakhtin (2003, p. 341) diz sobre “ser significa ser para o outro e, através dele, para si”, pois os grafiteiros fazem suas obras para que sejam vistas pelas pessoas.

Essa visibilidade dos grafiteiros, e do Movimento Hip Hop, faz com que eles ocupem outros lugares, como o universo escolar, uma vez que o graffiti e outros elementos do Hip Hop, como o MC (Mestre de Cerimônia)/rapper e o DJ, na produção de rap, e a dança break, estão inseridos na práxis educacional, seja na formal ou na informal.

A nossa experiência enquanto professora de Língua Portuguesa, em escolas municipais de ensino, localizadas nas periferias de Vitória e de Vila Velha (ES), com o rap, possibilita a reflexão e a ampliação de práticas que são ressignificadas a cada novo projeto executado e vivenciado no cotidiano escolar, pois

A palavra, a palavra viva, indissociável do convívio dialógico, por sua própria natureza quer ser ouvida e respondida. Por sua natureza dialógica, ela pressupõe também a última instância dialógica. Receber a palavra, ser ouvido. É inadmissível a solução à revelia. Minha palavra permanece no diálogo contínuo, no qual ela será ouvida, respondida e reapreciada. (BAKHTIN, 2003, p. 356, grifo do autor)


E, assim, nesse diálogo responsivo, estamos ampliando nossas discussões e, em nosso trabalho atual, inserimos o graffiti (e os grafiteiros), nas escolas nas quais trabalhamos, ao lado de outros artistas, como Van Gogh, Velásquez, Picasso e Ziraldo, e isso evidencia que é possível a união do ético com o estético em qualquer tipo de obra, visto que é na pluralidade de olhares que o devir acontece.

Esses diferentes olhares sobre o outro (as obras) permitem que sejam realizadas distintas leituras e interpretações em relação a um mesmo objeto estético, pois o “falante não é um Adão bíblico, só relacionado com objetos virgens ainda não nomeados [...]” (BAKHTIN, 2003, p. 300) e isso “significa que o sentido não está sempre fechado ao contexto ao qual pertence, não está limitado ao contexto que lhe é contemporâneo. Existem possibilidades de sentido que aquele que produz ou interpreta um texto pode ativar [...]” (PONZIO, 2008, p. 98).

A utilização do rap e do graffiti na escola, e de outras práticas diferenciadas de ensino, pode produzir, nos sujeitos envolvidos no processo dialógico educacional, diversas atitudes responsivas, pois “[...] a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros” (BAKHTIN, 1995, p. 113) e

Tal como a dança, o grafite também constrói uma ponte entre o individual e o coletivo, como projeto e realização. Concretiza uma proposta de intervenção sobre o espaço urbano por meio da arte, fora dos circuitos consagrados da sua produção e circulação (DUARTE, 1999, p. 20).

Encerrando esse pequeno percurso pelas formas e contornos do graffiti, citamos, mais uma vez, Bakhtin (2003, p. 294-295) que afirma que

Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive as obras criadas) é pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilabilidade, de um aperceptibilidade e de relevância. Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos.


Essa referência a Bakhtin é para mostrar que, também no graffiti, a assimilação, a reelaboração e a reacentuação fazem-se presentes, visto que, a cada nova obra, a relação dialógica é renovada.


Referências Bibliográficas

AMORIM, Marília. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p. 95-114.

BAKHTIN, Mikhail. Estética de Criação Verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

______. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 1995.

DUARTE, Geni Duarte. A arte na (da) periferia: sobre... vivências. In: ANDRADE, Elaine Nunes (org.). Rap e educação, rap é educação. São Paulo: Summus, 1999. p. 13-22.

PONZIO, Augusto. A revolução bakhtiniana: o pensamento de Bakhtin e a ideologia contemporânea. Trad. (coordenação) de Valdemir Miotello. São Paulo: Contexto, 2008.

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