segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sensibilidade e Interação, minúcias mediadoras entre o individual e o coletivo


Kelly Ribeiro Seabra

A humanidade não se divide em heróis e tiranos. As suas paixões, boas e más, foram-lhe dadas pela sociedade, não pela natureza.
Charles Chaplin

Mikhail Bakhtin, morador da Rússia dos anos 20, pós-revolucionária, pouco era conhecido nessa época. Suas idéias eram difundidas em um pequeno “círculo de amigos” e entre aqueles que o admiravam. Surgiram os Círculos de Bakhtin e muito foi agregado às áreas da lingüística, filosofia, literatura. Com o tempo, especificamente, na Europa e na América, passou a ser considerado um dos grandes pensadores do século XX.  Em suma, percebe-se que tamanho sucesso tornou-se possível devido aos diálogos realizados em tais círculos, ou seja, o homem e sua relação com os outros.
Considerando-se a relação dialógica acima descrita, nos é permitido ampliar nossos olhares e adentrar em universos distintos e semelhantes, ainda que recaia em um paradoxo. Pois, outras realidades articulam com a idéia do dialogismo bakhtiniano, contribuem para a transformação do espaço físico e abstrato. Por exemplo, em uma sala de aula, com inúmeros alunos absorvendo o discurso de um determinado professor, ou, também, o contato essencial, presente neste texto, entre o autor e o leitor, no qual este assimila o pensamento daquele. Assim, esta obra visa a definição da relação dialógica desde os pré-adolescentes, até jovens que sofrem constante influência de produtos externos, como celebridades televisivas ou musicais.
É interessante observar na atualidade o modo com que a arte se redefine com o decorrer do tempo, mundialmente, e como se mostra importante na transformação social. A configuração do mundo passa a ser, radicalmente, possível. Formam-se grupos sociais. Uma consciência grupal. Nós ao invés de eu. Segundo Bakhtin (1997, p. 313-314)

A palavra expressa o juízo de valor de um homem individual e apresenta-se como um aglomerado de enunciados nossa fala isto é nossos enunciados (que incluem as obras literárias), estão repletas de palavras dos outros... As palavras dos outros introduzem as suas próprias expressividade o seu tom valorativo que assimilamos que reestruturamos modificamos.
       
             De acordo com tal perspectiva, os jovens de agora criam as chamadas “tribos urbanas”, tendo como objetivo principal estabelecer redes de amigos com base em interesses comuns. Essas agregações apresentam uma conformidade de pensamentos, hábitos e maneiras de se vestir.  Dessa forma, os jovens buscam uma identidade particular na coletividade, um paradoxo, que nos faz, obrigatoriamente, pensar no dialogismo novamente, tão mencionado neste texto. Pois, nessa relação com o outro, meninos e meninas, sem, necessariamente, compreender, permitem o encontro de múltiplos sentidos, até os que poderiam estar esquecidos. Bem como diz um pensamento do próprio Bakhtin, que nada pode, simplesmente, morrer, mas que todo sentido em alguma ocasião terá um renascimento sublime. Com base no que foi dito no parágrafo anterior, objetos de orientação para a formação da personalidade, como a mídia, voltam-se, em parte, para o tipo de público jovem, como a MTV (Music Television). Esta realizou o programa Colírios CAPRICHO, um reality show de acordo com a descrição do próprio veículo de informação:
Que vai escolher o menino mais bonito, fofo e talentoso do Brasil. Durante 42 dias, dez garotos vão morar juntos no QG Colírios – uma casa incrível localizada em São Paulo. A cada semana, os Colírios serão desafiados a aprender algo diferente. Com a ajuda de especialistas, eles terão que cantar, dançar, representar e mostrar que sabem agir como verdadeiros príncipes: tudo para provar que são perfeitos para as leitoras da CAPRICHO.

            Nesse caso, encontramos jovens meninos em busca de uma identidade social, no entanto, respondem de modos semelhantes, obviamente, às exigências de seu grupo social. A mídia encarrega-se de difundir o discurso das celebridades e provoca o encontro, já mencionado, entre os sentidos do discurso de outros indivíduos. Enfim, com o apoio das idéias de Orlandi, a palavra discurso, em seu caráter etimológico, tem uma idéia de curso, de percurso, de movimento. Os discursos movem-se em direção uns aos outros.
Dessa maneira, pode-se fazer uma analogia entre a situação dos “grupos sociais” e a obra “Thérèse Raquin”, do escritor francês Émile Zola. Na qual este descreve os sentimentos reprimidos da personagem Thérèse Raquin, pois esta isola-se do mundo, do contato social,  devido ao modo que de sua tia, Srª Raquin, a criou. A privação do sentido natural de se conectar a outros universos para formar uma personalidade, provoca uma quebra na constituição do que se diz estética, na qual nosso campo sensorial, nossa alma e corpo não encontram uma unidade com o mundo, pois não há “fatos vividos”. O físico e o psíquico abalam-se, como afirma Sonia Carbonell (2010, p.109):

Em uma experiência estética, não podemos separar o sujeito do evento, pois o evento não existe em si: ele se constitui somente a partir das expressões que temos dele. A partir da manifestação estética é que nossos sentidos aparecem como instrumentos intercambiáveis entre si. A unidade do nosso corpo vem à tona no encontro com o evento.

 O que intenciona-se comparar, de fato, aqui é um momento primordial da obra de Zola, para observar com olhos analíticos, mais uma vez, a necessidade do homem em interagir com o social. Thérèse Raquin, com 18 anos, casa-se com Camille, filho de Srª Raquin, e recebe uma visita da Laurent um homem viril e repleto de histórias da sua intensa trajetória pelo mundo. Thérèse descobre neste uma infinidade de possibilidades para si, então vai ao encontro de fatos para serem vividos com Laurent também. Percebe-se, desse modo, a necessidade de uma jovem em encontrar um universo comum a determinadas pessoas, porém, particular (eis o paradoxo novamente), bem como meninos do “Colíros Capricho”. Em sua relação com Laurent, a personagem adentra, inconscientemente, no ponto do encontro dos diálogos. Mais uma vez, os pensamentos de Sonia Carbonell (2010, p.109) orientam essa questão: “Nesse momento, ocorre uma transmutação de valores entre sujeitos e evento estético”.
Algo próprio da Revista Capricho, precursora do programa da MTV, o que se diz até aqui. É a fala da leitora Jéssica:
“15/09/2010 18:39:50
@jhessiiikaa - , -
Olá CH admiro muito, muito mesmo o trabalho de vocês, em nome de todas as meninas do Brasil digo nos amamos os 4 vida de garoto e os colírios, mais gostaríamos que houvesse tipo "vida de garota", "girl's life" etc... mais não só de garotas, tem que ter garotas que são diferentes, para mostrar a vida de cada uma, dar dicas para vários tipos de garotas, fazer matérias e etc... É o que mais desejamos, e esperamos que façam isso por nós garotas! Todas as meninas sonham com isso e aprovam a idéia!”[1]
Tenta-se entender o que todos esses sujeitos necessitam de sensibilidade, transmutação, reconhecimento. Mas será que estes ampliam seus olhares além de suas precisões? Em “Thérèse Raquin”, a protagonista diz justificar suas atitudes adúlteras, por ter sido obrigada a ficar em casa cuidando do seu primo (marido) Camille, que sempre foi frágil e debilitado. Segundo Antônio Marchionni (2008, p.17); “A Ética é uma investigação acerca do Bom e uma observância daquilo que foi entendido”. Para a personagem Thérèse, tal observância não há nos momentos do adultério, torna-se a ética ausente
            Em suma, objetiva-se, nesta obra, minuciar para as Rodas de Bakhtin 2010: “Bakhtin e a Atividade Estética – Novos Caminhos para a Ética”, os segmentos para que os “grupos sociais” não caiam em ilusão. Perceberem que outros pontos, como a ética, merecem atenção, para não haver o temido monologismo e, como o pensamento: “A idéia de que é a existência que forma a consciência” (SOBRAL, 2005, p.19). Ou seja, o encontro do sujeito com o mundo e toda sua dimensão, possibilita a existência daquele. No entanto, apenas eu, do lugar em que me encontro no mundo, consigo dizer o que digo daquele lugar. Como contribui Sonia Carbonell (2010, p.107-108), de maneira sensível:

A experiência estética nasce do encontro do indivíduo com o infinito do universo, e ele como parte desse universo. E nesse momento de encantamento que ocorre o encontro de dois grandes sentimentos humanos: o de ser infinitamente pequeno, contido na imensidão do infinito, mas também o de ser infinitamente grande, contendo em si todo o universo.

         Assim, não há alguém que veja o mundo como eu vejo. O sujeito é responsável por todos os momentos constituintes de sua vida porque seus atos são éticos. Assim, a ética refere-se ao ato dos fatos vividos, envolve-se o conteúdo do ato, o seu processo, analisado pelo sujeito com respeito ao seu próprio ato. Enfim, no momento em que aquele reflete sobre este, produz um acabamento (estética).











Referências Bibliográficas:
BAKHTIN, M.(Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Heucitec, 1997.
CARBONELL, Sonia. Educação e Estética Para Jovens e Adultos. São Paulo: Cortez Editora. 2010.
MARCHIONNI, Antonio. Ética a arte do bom. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
SOBRAL, Adail. Ato/Atividade e Evento. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: Conceitos-Chave. São Paulo: Contexto, 2005.
ZOLA, Émile. Thérèse Raquin. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.




[1]  Extraído do Clube da Leitora – Capricho.

Um comentário:

  1. Penso que frente a uma sociedade cheia de inversoes de valores, a busca incessante por uma personalidade solida e conciza nos proporciona o surgimento das tribos...sempre em busca de ideais
    ...otimo texto,kelly.



    ass:Pedro Lima.

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