Luiz Carlos Neves da FONSECA
Welington da Costa PINHEIRO
(Universidade Federal do Pará)
Bakhtin propõe uma perspectiva de linguagem de cunho enunciativo em que a comunicação verbal possui função interativa devido às diferentes formas de compreensões no interior da situação comunicativa, destacando a compreensão responsiva ativa, a qual permite aos sujeitos os mais diversos atos, compreendidos como pensamento e criação, em processos de (re)elaboração durante o momento específico de interação comunicativa em que há o surgimento do “dever ético”, realizando-se de forma própria de acordo com os distintos contextos enunciativos já que o sujeito real é não substituível e único, pois no local em que esse se encontra, nenhum outro está. Sobre isso, Sobral (2005, p.31) afirma “Em Bakhtin, todo dever ético nasce em situação, ou seja, mantém a estrutura comum que compartilha com outros deveres éticos, mas se realiza de maneira específica, dependente da situação concerta”. Tais sujeitos completam, adaptam, modificam os enunciados, ou seja, impõem sua singularidade, seu registro, sua marca, sua assinatura, atribuindo sentido a idéia que passa a ter valor dentro do contexto. Ainda a respeito da concepção bakhtiniana, Sobral (2005, p. 13) esclarece que
Em Bakhtin ato/ atividade e evento não se confundem com a ação física per se, ainda que englobem, sendo sempre entendidos como agir humano, ou seja, ação física praticada por sujeitos humanos, ação situada a que é atribuído ativamente um sentido no momento mesmo em que é realizada.(...).
Deste modo, tais sujeitos abrangem o conteúdo do ato, avaliam o discurso referente ao seu próprio ato, refletem sobre tal ato, bem como configuram um acabamento estético, de acordo com Sobral (2005), resultante do processo de representação do mundo a partir do ponto de vista fundado nas relações sociais e histórias das quais participa ou participou o autor.
Segundo Braith (2005) entende-se que ato ético ou ato responsível está relacionado ao conteúdo, ao processo do ato e a avaliação do agente no que diz respeito ao seu próprio ato no mundo. Assim, amplia-se a discussão sobre o processo comunicativo a partir do papel ativo do outro não minimizado e capaz de emitir enunciados que moldam o discurso de acordo com questões éticas e estéticas presentes em gêneros discursivos veiculados nas mais variadas esferas comunicativas.
Entre os diversos eventos sociais existentes com questões problematizadoras na sociedade, este trabalho, incidirá sobre o gênero propaganda devido a sua recorrência na sociedade atual, já que integra o cotidiano, influencia hábitos e valores, expressa comportamentos dialógicos e responsáveis dos sujeitos envolvidos em aspectos éticos e estéticos, veicula elementos vinculados ao natural primitivo (primeiro) relativos à imagem da Região.
As propagandas selecionadas neste trabalho expressam/ratificam os atos humanos no mundo vivido, mundo concreto, bem como veiculam o agir ético (ato estético) referente ao envolvimento ético em que o sujeito cria uma responsabilidade relacionando o mundo vivido e o mundo representado, voltando a imagem da Amazônia para uma essência estável. Entretanto, compreende-se que, de acordo com a perspectiva contemporânea, não há mais lugar para a noção de uma identidade que seja percebida como algo fixo, sólido e estável, já que as sociedades atuais vivem em constantes mudança. O que é ratificado por Rajagopalan (2003, p. 238) ao afirmar
Nessa perspectiva [...] não há mais espaço para uma visão de identidade como algo fixo, imutável e confortavelmente estável a partir de uma essência. Ao contrário, as identidades passam a ser percebidas como “descentradas”, “deslocadas” e “fragmentadas”.
Logo, fundamenta-se a respeito da construção imagética, essencialmente, em Bakhtin (1997) que trata da imagem do herói como produto variável em que o conteúdo da grandeza deste herói e os indícios de sua unidade, de sua constância e de sua própria identidade podem ser muito variados devido ao seu caráter complexo, visto que podem variar os princípios dos traços essenciais e os princípios de combinação e de organização do conjunto da imagem do herói, bem como os princípios compositivos que regem a revelação dessa imagem.
A partir de todo o exposto, questiona-se: Por que vários outros aspectos relacionados à identidade amazônica, como por exemplo, a culinária, a música regional, os eventos culturais, os empreendimentos que geram desenvolvimentos na região são desconsiderados? Seria o interessante veicular questões éticas e estéticas que interferem nas opiniões das pessoas, levando-as a assumirem valores éticos, que parecem escolhidos livremente, mas que constroem a realidade naqueles aspectos previamente permitidos e liberados pelo sujeito produtor?
Nas propagandas que tratam da Região Amazônica está presente o agir humano concreto, imbricado aos atos do sujeito, aspecto particular. Sobral (2008) propõe que o sujeito age em um determinado momento, em um lugar específico, seja na presença de outros sujeitos, seja sem a presença de outros sujeitos, expressando o conteúdo do ato, ou seja, aquilo produzido pelo ato ao ser realizado, neste caso, há a construção imagética da Amazônia centrada na natureza, de modo que a região é mostrada de forma homogênea por meio de aspectos que giram em torno de elementos regionais fixos como “pano de fundo” para promover a imagem do Guaraná Antártica (Figura 01) mais semelhante aos aspectos culturais amazônicos, ainda do período pré-colombiano.
Para a criação de tal conteúdo ou produto, o sujeito realiza operações, processo do ato, que priorizam a figura do indígena, do jesuíta que veio catequizar na região, bem como a fauna (águia, lagarto, macaco), folhas, frutos e a cor verde do plano de fundo da propaganda, elementos que constroem a história da bebida no meio de um ambiente bastante amazônida, há os seis passos sobre o nascimento da bebida, presentes na propaganda: paixão proibida, raio libertador, planta sagrada, descoberta pelos jesuítas, o primeiro xarope, nasce o guaraná antártica que vêm ratificar o subtítulo dado à bebida “O original do Brasil”, envolvendo o processamento do guaraná a um enredo amazônico cheio de emoção e cientificidade devido à paixão proibida entre dois amantes de tribos rivais e ao método científico desenvolvido pelo médico para criar o primeiro xarope originalmente brasileiro.
A construção de imagens sociais da região amazônica, resultantes da responsabilidade ética pertencente ao sujeito, resulta emblemas ou estigmas regionais, os quais são veiculados (“vendidos”) por meio de operações construídas esteticamente pela mídia que detém de limites cada vez mais imputáveis. Desse modo, a imagem amazônica segue sendo ratificada a partir de uma posição exotópica, posição esta que segundo Sobral (2005, p. 2009) é
equivalente a “estar num lugar fora”, é um “fora” relativo, uma posição de fronteira, posição móvel, que não transcende o mundo mas o vê de uma certa distância a fim de transfigurá-lo na construção arquitetônica da obra, estética ou não... para quem o sujeito pode articular (...) sua própria situação até um certo ponto, sem no entanto poder transcendê-la.
Assim, o procedimento estético constrói a região, também, como espaço de preservação ambiental, o que ratifica a tese defendida, neste, de que a região tem sua identidade hegemônica fixada em aspectos éticos e estéticos voltados para a natureza. Porém, agora não mais somente valorizando aos elementos típicos, mas construindo a responsabilidade ética preservacionista no que diz respeito aos recursos naturais amazônicos, tal discurso pode ser percebido na propaganda “40 propostas que o Brasil não pode esquecer”, (Figura 02).
Nesta propaganda, ao tratar do pequeno número de pesquisadores dedicados à pesquisa científica na região, a mídia veicula a propaganda em preto em branco, na qual há um pesquisador com binóculo, envolto pela flora amazônica, possivelmente, em busca de alguns espécimes característicos da biodiversidade local e importantes para possíveis identificações e estudos posteriores já que há, na região, milhares de espécimes desconhecidas, estes aspectos priorizam o agir ético sem tons coloridos, fortes, alegres e, ainda, pode-se considerar, a dimensão das árvores em relação ao tamanho do pesquisador, destacando a imensidão da fauna amazônica tão dificilmente catalogada por este número pequeno de pesquisadores na região.
Outra propaganda que gira em torno do natural é construída por meio de estratégias estéticas orientadas para o desenvolvimento sustentável da região. Como se pode notar na propaganda “Petrobrás vê o futuro” (Figura 03). Para tal, traz uma imagem aérea da floresta amazônica que por suas características, densa e fechada, pode ser reconhecida, bem como o seguinte texto “O sol vê descanso. O ar vê um filtro. A chuva, a razão. A terra, a saúde. O índio vê a casa. A onça vê a rua. O mundo o pulmão. A Petrobrás vê o futuro.”, o que expressa a necessidade da sustentabilidade amazônica, uma vez que se ressaltam aspectos importantes como o ar, a chuva, a terra, o índio (ser humano “dependente” da floresta), a onça (fauna amazônica), aspectos que podem contribuir para respeito e responsabilidade pretendidos pela empresa (Petrobrás), bem como investimento e desenvolvimento neste espaço.
Considerações Finais
Compreende-se que, de acordo com a perspectiva contemporânea, não há mais lugar para a noção de uma identidade que seja percebida como algo fixo, sólido e estável, já que as sociedades atuais vivem em constantes mudanças. Entretanto, a mídia veicula valores éticos e estéticos com a imagem regional centrada em aspecto característico fixo do espaço, de acordo com os seus interesses, como forma de valorizar, reforçar, ratificar a natureza existente na região sem transcender esta imagem. Desta forma, ratifica-se uma visão hegemônica sobre a imensa e biodiversa região amazônica, havendo uma responsabilidade ética que deixa à margem outros aspectos identitários típicos como: a culinária, a cultura local, a música regional etc a partir dos acabamentos estéticos construídos pelo sujeito situado numa posição exotópica.
Referências bibliográficas
BAKHTIN, M. Estética da Criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BRAIT, B. & MELO, R. de. Enunciado/ enunciado concreto e enunciação. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.
RAJAGOPALAN, K. Por uma lingüística crítica. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
SOBRAL, Adail. O Ato “Responsível”, ou Ato Ético, em Bakhtin, e a Centralidade do Agente. Signum: Estudos Linguisticos, Londrina, n. 11/1, p. 219-235, jul. 2008.
SOBRAL, Adail. Ético e estético Na vida e na pesquisa em Ciências Humanas. In:BRAIT, Beth.Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005, p.108.
SOBRAL, Adail. Ato/ atividade e evento. In.: BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chaves. São Paulo: contexto, 2005
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