terça-feira, 14 de setembro de 2010

A segunda morte de Isabella Nardoni: discurso, religiosidade e mídia


Jocenilson Ribeiro dos Santos
Eduardo Eide Nagai

Considerações introdutórias

Em constantes diálogos antes, durante e, sobretudo, depois da quarta semana de março de 2010, nós dois nos inquietamos com o modo através do qual as práticas de discurso se manifestam na contemporaneidade. Passamos a pensar que, nos últimos anos, com o advento da Internet como espaço de expressão e difusão de notícia, cultura e interatividade, tais práticas passaram a produzir efeitos, hábitos e saberes na sociedade, antes jamais imagináveis. Nesse Círculo 2010, faremos uma exposição sobre um breve estudo do acontecimento julgamento do caso Nardoni noticiado numa semana de março a partir de alguns conceitos gestados no quadro teórico dos estudos do discurso de linha francesa e dos gêneros do discurso propostos por Bakhtin e seu círculo. Nosso objetivo foi compreender como a morte foi discursivamente constituída pela mídia nos dias de julgamento. O corpus de estudo correspondeu a textos (verbo-visuais) colhidos no portal G1 e referentes aos dias 22 a 26 de março de 2010, dos quais analisaremos um vídeo[3] divulgado no dia 23 daquele mês, levando em conta enunciados verbais e imagéticos (fixos e em movimento). Assistimos a inúmeros vídeos, compilamos textos que versavam sobre o caso antes e durante o julgamento, consultamos sites de relacionamentos como Orkut, Twitter, blog, além de portais de notícias a fim de compreender uma regularidade dentro de uma dispersão de dados, informações, textos etc. para desenvolver uma metodologia de análise. Não foi fácil! O universo on-line coaduna textos em inúmeros gêneros que dialogavam, levando-nos a nos questionar: o que é realidade física e realidade virtual no campo das discursividades? O objetivo final era produzir um artigo no qual deveríamos apresentar as constatações no campo das práticas discursivas com vista a mídia. Qual não foi nossa surpresa com o caminhar das análises e discussões. Nosso trabalho, mais do que uma interpretação sob o prisma de alguns conceitos nos dois campos de pesquisa, nos revelou um processo de construção dessa interpretação que não se fixa como verdade absoluta, leitura unívoca, mas nos coloca num dos eixos de possibilidades de leitura de um discurso ou múltiplos discursos constituídos por entrelaçamentos de vozes... vozes do catolicismo, da ciência, dos anônimos, da mídia...

Abordagem teórico-metodológico

Nos cinco dias decorrentes do julgamento, as mídias televisiva e virtual passaram a noticiar os acontecimentos jornalísticos, em intervalos de tempo mínimo, a fim de que os telespectadores e internautas pudessem acompanhar em tempo real cada decisão, cada fala pronunciada, os depoimentos, as vozes de curiosos, os movimentos... Percebemos, com esse acontecimento espetacularizado, que foram evidenciadas três perspectivas que compunham uma semiologia da narrativa: a) a Ciência Jurídica - com os elementos, o ritual e suas práticas (juiz, promotor, advogado de defesa, ramalhete, cadeiras enfileiradas, réus e suas cadeiras réus, sete júris, processo, provas, maquetes, tribunal do júri, togas etc., além da figura dos peritos); b) a Mídia e a figura da imprensa nacional e internacional (jornalistas, câmeras-man, câmeras filmadoras e fotográficas, repórteres, microfones etc.; c) a Multidão – curiosos, familiares de vítimas de violência, vendedores ambulantes, baderneiros, anônimos, evangélicos, pastores etc... Tudo isso fazia parte de um jogo de construção de saberes sobre o caso, homogeneizando-se em um único discurso: o da culpa. Mas qual a natureza desse saber?
O saber, a nosso ver, não apresenta nenhuma natureza, não estava já posto, a não ser como resultante de um constructo histórico. É constituído por uma atividade humana através de exercício de linguagem. Logo, como defende Charaudeau (2007), 

A construção do saber depende da maneira como se orienta o olhar do homem: voltado para o mundo, o olhar tende a descrever esse mundo em categorias de conhecimento; mas, voltado para si mesmo, o olhar tende a construir categorias de crença. Simultaneamente, o saber se estrutura segundo a escolha da atividade discursiva à qual se entrega o homem para dar conta do mundo: ele pode decidir[4] descrevê-lo, contá-lo ou explicá-lo, e nisso tanto pode aderir a seu dizer quanto tomar distância para com o dizer. Esse conjunto de atividades discursivas configura os sistemas de interpretação do mundo, sem os quais não há significação possível. (CHARAUDEAU, 2007, p.43, grifos do autor)

Iniciamos o estudo partindo da hipótese de que, antes do veredicto, a mídia instaurou um discurso de culpabilidade do casal, antecipando um resultado que só deveria, de fato, ser revelado após o julgamento; esse discurso foi sendo construído na materialidade enunciativa da mídia, sem uma projeção intencional, mas de acordo com as regras e ordem de funcionamento das práticas, sob as quais os enunciados rememoram sempre outros, ditos antes e que estão em constante diálogo com os novos que são produzidos. Logo, não seria nenhuma novidade, no imaginário da multidão, ter a notícia de que o casal seria condenado. Mas como se construiu essa imagem? Qual o lugar que a Isabella passou a ocupar nesse regime complexo de enunciabilidade e práticas, quando os olhares se voltam para um desfecho espetacularizado?
Para compreender como esses saberes eram construídos, partimos dos conceitos de enunciado na perspectiva de Bakhtin (2000; 2002; 2008) e de Foucault (2003; 2008). Primeiro, apresentamos a definição bakhtiniana e, em seguida, a foucaultiana para analisar os discursos. Sabemos que o enunciado é a menor unidade composicional do discurso, o que nos dispensa da responsabilidade de estudar frases, elementos constituintes do texto quando nosso objetivo é pensar o discurso como materialização dos processos ideológicos. Logo, a língua é um destes elementos, e outros materiais semióticos devem também ser levados em conta...
De acordo com o filósofo, a língua está vinculada às esferas de atividade humana de que participam os sujeitos envolvidos com a linguagem (BAKHTIN, 2000, p. 279).  Por isso, não entendemos a língua enquanto um objeto abstrato sem relação com as interações que se travam no cotidiano; entretanto, entendemos a língua na sua integridade viva. É no uso, enquanto discurso que a analisaremos. (idem, 2008, p. 207) Assim, é central compreendermos o enunciado enquanto materialidade discursiva na perspectiva bakhtiniana.
 Há três componentes constitutivos que precisamos colocar ao olhar o enunciado: o enunciado enquanto unidade da comunicação verbal, o enunciado na sua relação dialógica com outras vozes e a sua filiação nos gêneros do discurso. O primeiro componente trata do enunciado como um elo da cadeia comunicativa concreta, ele ata outros enunciados numa condição de resposta e projeta outros enunciados criando assim uma expectativa de outras respostas. Há, portanto, uma necessária construção histórica em torno de qualquer enunciado.

Um enunciado concreto é um elo na cadeia da comunicação verbal de uma dada esfera. As fronteiras desse enunciado determinam-se pela alternância dos sujeitos falantes. Os enunciados não são indiferentes uns aos outros nem são auto-suficientes; conhecem-se uns aos outros, refletem-se mutuamente. São precisamente esses reflexos recíprocos que lhes determinam o caráter. O enunciado está repleto dos ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado no interior de uma esfera comum da comunicação verbal. O enunciado deve ser considerado acima de tudo como uma resposta a enunciados anteriores dentro de uma dada esfera: refuta-os, confirma-os, completa-os, baseia-se neles, supõe-nos conhecidos e, de um modo ou de outro, conta com eles. (idem, 2000, p. 316) 

Assim, vemos os enunciados como materialidades que respondem e são respondidos. Sempre com um começo e fim delimitados, eles também são determinados pela alternância de sujeitos no diálogo, dessa forma entramos no segundo componente do enunciado, a dialogia. Todo enunciado serve de trama para um embate que se trava na linguagem. Sempre de um sujeito que age para outro sujeito que reage com suas respostas ativas. Se tivermos o processo de produção do enunciado, teremos na mesma face o processo de compreensão. Não como dois momentos separados e independentes, ao contrário, ambos fazem parte do mesmo processo. Em Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin (2002) nos mostra que toda a produção de signos representa também uma compreensão, pois, enquanto o sujeito enuncia, ele organiza e sistematiza os signos interiores. A consciência interior é para o sujeito um espaço confuso e caótico de signos interiores pouco sistematizados. Já enquanto o sujeito está enunciando, é obrigado a reorganizar sua consciência e sua ideia para expressá-las. Podemos dizer, então que toda produção de enunciados é uma produção compreensiva, já que enquanto produzimos, compreendemos também. E da mesma forma, enquanto compreendemos determinados signos estamos também respondendo, a compreensão ativa produz as respostas na própria consciência mesmo que não haja resposta imediatamente à compreensão.  Toda compreensão é produtiva.
Delimitamos o enunciado no seu caráter dialógico. Se por um lado, o enunciado pertence a um determinado sujeito que está produzindo (compreensivamente), ao mesmo tempo pertence a um determinado sujeito que está compreendendo (produtivamente). Nenhum enunciado é de apenas um sujeito, ele sempre é na relação entre dois ou mais sujeitos organizados em grupos sociais diferentes (BAKHTIN, 2002, p. 35).

Já a concepção foucaultiana apresenta-se a partir de uma preocupação na análise arqueológica. Ao buscar descrever as práticas discursivas de uma sociedade em uma dada época, Foucault (2008) se propõe a fazê-lo a partir de um princípio teórico-metodológico para compreender como determinados enunciados emergiram e não outros em seu lugar. Para isso, ele toma como procedimento de análise a própria análise do discurso que descreve e procura compreender esses enunciados materializados num interior de formações discursivas e que mantêm relações com enunciados já ditos; muitas vezes tais formações mantêm relações de confrontos, diálogos, resistências. Sobre esse aporte teórico-metodológico, o filósofo nos apresenta, no quarto volume do livro Ditos & Escritos:

Eu me dei como objeto uma análise do discurso [...]. O que me interessa no problema do discurso é o fato de que alguém disse alguma coisa em um dado momento. Isto é o que eu chamo de acontecimento. Para mim, trata-se de considerar o discurso como uma série de acontecimentos, de estabelecer e descrever as relações que esses acontecimentos – que podemos chamar de acontecimentos discursivos – mantêm com outros acontecimentos que pertencem ao sistema econômico, ou ao campo político, ou às instituições. [...]. O fato de eu considerar o discurso como uma série de acontecimentos nos situa automaticamente na dimensão da história [...]. Se faço isso é com o objetivo de saber o que somos hoje. (FOUCAULT, 2003, p. 255, grifos nossos).

No excerto acima, o filósofo reconhece o discurso como uma série de acontecimentos inscritos na história com vistas a compreender, na atualidade, as relações de subjetividade, os sujeitos e os saberes construídos discursivamente. Não se trata de estabelecer a verdade de uma época, nem julgar certo ou errado um dado enunciado no interior de um discurso, mas de descrever as séries de enunciados, compreender as relações com outros, o que as produz, o que as faz perdurar como verdade de determinados grupos ou sociedade em dado momento. É nas relações entre os enunciados que se nota a regularidade no interior de sua dispersão; isso só é possível porque tais enunciados só significam quando inscritos em formações discursivas.
Em A arqueologia do saber, Foucault (2008) postula que a análise enunciativa deve ser feita levando em conta o efeito de raridade, exterioridade e acúmulo. Nesse sentido, ele compreende por lei da raridade o fato de que nem tudo pode ser dito, “estudam-se os enunciados no limite que os separa do que não está dito, na instância que os faz surgirem à exclusão de todos os outros” (p.135), portanto, devem ser estudados em seu lugar próprio, “não como se estivesse no lugar de outros caídos abaixo da linha de emergência possível” (p.135). Quanto à sistemática da exterioridade, a análise enunciativa deve ser feita através do empreendimento da história, porque é através dela que retomam enunciados que foram ditos e permanecem “conservados ao longo do tempo e dispersos no espaço, em direção ao segredo interior que os procedeu, neles se depositou e aí se encontra (em todos os sentidos do termo) atraído.” (p.137) Nessa perspectiva, a história não é tomada como continuidade de série de acontecimentos factuais homogêneos nem os sujeitos vistos como indivíduos “em sua subjetividade transcendental”, soberana, “mas reconhece(r), nas diferentes formas de subjetividade que fala, efeitos próprios do campo enunciativo” (p.138), cuja história é discursivizada, heterogênea, descontínua. A lei do acúmulo corresponde, por fim, ao terceiro traço da análise enunciativa: é o resultado de enunciados produzidos e acumulados na dispersão de discursos.
Se o enunciado é a unidade molecular do discurso e não deve ser confundido como unidade mínima de uma sentença linguística, uma frase, proposição ou atos de fala, o arquivo, por seu turno, também não deve ser compreendido como um lugar em que se podem encontrar todos os documentos disponíveis para análise. A noção de arquivo para Foucault (2008 [1969]) tem outra dimensão conceitual.
De acordo com Sargentini (2008, p.104), no início dos estudos da AD, o objeto de análise pautado no discurso político se definia mediante “um corpus considerado como um conjunto determinado de textos sobre os quais se aplicava um método definitivo”. É nessa época que as preocupações de analistas de discurso se voltavam para grandes corpora no interior das quais se analisavam séries de enunciados linguísticos via dispositivo automático capaz de evidenciar as marcas ideológicas. (PÊCHEUX, AAD-1969) Havia um intenso rigor metodológico a partir do qual o método de descrição destes enunciados obedecia aos parâmetros estabelecidos pela linguística estrutural (ROBIN, 1977). Eis o tempo, por exemplo, dos estudos das subordinadas adjetivas nos estudos do discurso e da história.
À medida que os estudos do discurso foram tomando novos domínios, o que exigia outras reflexões, a concepção que se tinha de corpus de análise foi mudando. Nesse sentido, retomando o conceito foucaultiano, o arquivo possibilitou que se fizesse uma análise de discurso não com essa ânsia pela totalidade, por agrupamentos em série de textos fechados num arquivo, já que sua preocupação não se dá pela quantidade nem somente pelas sequências discursivas, mas pela análise de enunciados sempre em relação a outros.
Por outro lado, devemos atentar, também, para o que se compreende por enunciado no paradigma de análise discursiva proposto por Foucault (2001; 2008). Diferentemente do modelo de análise linguística por extensão e discursiva em particular - que levavam em conta as categorias linguísticas para uma análise semântica e das relações de significados intralinguísticas –, a proposta foucaultiana vai conceber o enunciado como uma função enunciativa, cuja significação se dá no âmbito da história, do acontecimento e das práticas discursivas e não da estrutura da língua, já que, como bem destacou, o enunciado não “corresponde a um conjunto de relações entre elementos variáveis, autorizando assim um número talvez infinito de modelos concretos” (FOUCAULT, 2008, p.98).
Courtine ([1981]2009) nos chama a atenção para o fato de que:

A descrição do enunciado na Arqueologia – a “análise enunciativa” – põe em jogo a questão central para a AD da relação entre materialidade da língua e materialidade do discurso; assim [...], esses dois aspectos são cuidadosamente separados por Foucault, mas não articulados.

Com tal crítica, ele propõe uma rearticulação dessas noções com vista para os trabalhos em AD. Nesse aspecto, é preciso levar em conta quatro propriedades que delimitam a função de existência do enunciado para sua definição, são elas: o enunciado está ligado a um referencial; mantém uma relação determinada com o sujeito do discurso; está associado a outros numa rede de formulações, a um dado campo enunciativo; e, por fim, deve apresentar-se numa materialidade distinta da enunciação, essa materialidade é sígnica. Distinta porque a enunciação é sempre única, irrepetível, ainda que o enunciado seja o mesmo. Outra questão importante, para Courtine (1999; 2009[1981]), é que o enunciado mantém sempre uma relação com a noção de interdiscurso e memória discursiva[5]. Partindo dessas reflexões, tomaremos o vídeo – recorte de nosso corpus - como enunciado analisando essas propriedades que o definem.
Análises das materialidades

1) A partir dessa discussão, passamos para as análises propriamente ditas, levando em conta uma construção discursiva de uma segunda morte da menina Isabela. Esta segunda morte se dá, na verdade, com o nascimento da multidão nessa produção discursiva. Se no primeiro momento a vítima era a Isabella, um corpo individualizado, no segundo passa com ela a ser a multidão, dessa forma uma vítima coletivizada. O corpo desfalecido de Isabella se dissolve no corpo massificado e vitimizado da multidão. No vídeo em análise, reconhecemos dois grandes momentos em que se constrói essa narrativa: a) quando a repórter fala sobre a multidão, procura uma resposta sobre o motivo que levou o público a se aglomerar em frente ao Fórum e b) quando o psiquiatra confirma a fala dela e, em seguida, faz uma progressão dessa imagem consagrando assim a posição da mídia. E no vídeo a conclusão da posição da imprensa, via fala do psiquiatra, é feita para dar essa ilusão de neutralidade jornalística, já que a fala do psiquiatra materializa a formação discursiva científica. Os enunciados da multidão, na verdade, estão dispersos nos enunciados constituídos da mídia e da ciência nesse vídeo, assim como enunciados que se inscrevem numa FD religiosa.
2) A construção da multidão vitimizada: Entre as centenas de reportagens produzidas naquela semana, o G1 disponibilizava muitos vídeos ao lado de textos escritos. Um desses vídeos - intitulado Muitos curiosos acompanham o julgamento do caso Isabella Nardoni - traz como reportagem central a movimentação de pessoas que saíram de suas casas para acompanhar, em frente ao Fórum, o andamento do julgamento. No vídeo aparecem quatro FD: a da mídia representada pela voz da repórter; a da ciência representada pela voz do psiquiatra; a da multidão representada por diversas vozes de pessoas que estavam no local e a religiosa que só se manifesta na dispersão das outras. Percebemos, por tanto, o entrecruzamento dessas quatro FD, em que a voz da ciência para explicar o “comportamento” (aparentemente deslocado da situação) se evidenciava, além da voz da mídia. Nesse aspecto, destacamos enunciados da Mídia sobre a multidão; enunciados da Ciência sobre a multidão; enunciados da multidão (sobre ela mesma) e sobre o acontecimento do caso; e enunciado sobre a religiosidade, o que atualizava uma memória cristã.
3) A culpa materializada: sobre este ponto, apresentamos uma análise mais semiológica, i.e., observando as categorias linguísticas e imagéticas para apresentar os modos através dos quais se construiu os discursos de culpa mediantes as questões que apontamos acima.

Considerações para compor o Círculo 2010

As concepções de enunciado e arquivo, na perspectiva francesa, apresentadas neste artigo nos serviram para analisar e compreender os discursos em sua constituição histórica e subjetiva. Se de um lado, o enunciado apresenta-se associado a outros em relação de aliança e de conflito nas quatro FD que aqui analisamos; por outro, a concepção de arquivo nos isenta da necessidade de dar conta de todos os discursos produzidos sobre o caso Nardoni. Eis porque apenas o vídeo já nos foi suficiente para compreender essa heterogeneidade. A análise separada dos enunciados em FD diferentes se deu apenas para uma compreensão didática, sabemos que os enunciados pertencentes às diferentes FD materializam-se de forma interrelacionada. Na perspectiva bakhtiniana de enunciado, percebemos que tais discursos nos mostraram a materialização de vozes que circulam pela sociedade, penetram nos discursos virtuais e retornam à sociedade com novas significações. Pretendemos neste Círculo 2010 trazer essas reflexões, marcando a importância e o papel dos estudos bakhtinianos e de análise de discurso francesa para o estudo de diversas materialidades, sejam elas linguística, imagética, sincrética, em vídeo, enfim, em diversas manifestações simbólicas que manifestam diferentes ideologias, tendo o signo a unidade material onde essa ideologia se instaura.

Referências
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 10. ed. São Paulo: Hucitec, 2002.
BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. 3.ed. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec; Brasília: UNB, 2993.
BAKHTIN, M. O problema da poética de Dostoievski. Trad. Paulo Bezerra. 4.ed. Rio de Janeiro:  Forense Universitária, 2008.
BAKHTIN, M. Estética da Criação verbal. 3. ed. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
CHARAUDEAU, P. Discurso das Mídias. Trad. Ângela S. M. Corrêa. São Paulo: Contexto, 2007.
COURTINE, J.-J. O chapéu de Clémentis. Observações sobre a memória e o esquecimento do discurso político. In: INDURKY, F.; FERREIRA, M.C.L. Os múltiplos territórios do discurso. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 1999.
COURTINE, J.-J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. Supervisão de Trad. Patrícia Chittoni Ramos Reuillard. São Carlos, SP: EdUFSCar, 2009.
GREGOLIN, M. R. (org.). Discurso e mídia: a cultura do espetáculo. São Carlos: Claraluz, 2003.
FOUCAULT, M. [1970]. A ordem do discurso. 7. ed. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, 2001.
FOUCAULT, M. [1969] A arqueologia do saber. 7. ed. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2008.
FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. V. 1. 19. ed. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque; J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2009.
ROBIN, R. História e linguística. São Paulo: Cultrix, 1977.



[1] Licenciado em Letras pela UEFS-BA, aluno do Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFSCar. jonuefs@gmail.com. É integrante do Labor – Laboratório de Estudos Políticos da UFSCar.
[2] Licenciado em Letras pela UFSCar, aluno do Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFSCar. É integrante do GEGe - Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso da UFSCar. nagaiver@gmail.com
[3]Disponível em:<http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1234866-7823-MUITOS+CURIOSOS+ACOMPANHAM+O+JULGAMENTO+DO+CASO
+ISABELLA+NARDONI,00.html>. Acesso em: 27 mar. 2010.

[4] O autor apresenta a seguinte nota: “Esta decisão não implica um caráter voluntário ou não, consciente ou não. Uma decisão pode ser não consciente.”(ibid., p.43).
[5] Em virtude da limitação desse artigo e do fato de não operarmos aqui com tais conceitos, sugerimos as seguintes leituras para melhores aprofundamentos: 1. COURTINE, J.-J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos, SP: EdUFSCar, 2009. 2. COURTINE, J.-J. O chapéu de Clémentis. Observações sobre a memória e o esquecimento do discurso político. In: INDURKY, F.; FERREIRA, M.C.L. Os múltiplos territórios do discurso. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 1999.

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