Alba Valéria Alves Ignácio[2]
Jucelina Ferreira de Campos[3]
Lezinete Regina Lemes[4]
Bakhtin e seu Círculo (1929; 1952-1953/1979) tem como foco central a linguagem. Os estudos teóricos desses pesquisadores refletem acerca do exercício da linguagem entre o “eu” e o “outro”. Ou seja, para além de nossas palavras, nos constituímos entrelaçados pelas palavras do outro, uma vez que para Bakhtin:
Por mais monológico que seja o enunciado (por exemplo, uma obra científica ou filosófica), por mais concentrado que esteja no seu objeto, não pode deixar de ser em certa medida também uma resposta àquilo que já foi dito sobre dado objeto, sobre dada questão, ainda que essa responsividade não tenha adquirido uma nítida expressão externa: ela irá manifestar-se na tonalidade do estilo, nos matizes mais sutis da composição. (BAKHTIN, [1952-1953/1979] 2003, p. 298)
Essa base dialógica e fundante da linguagem pode desencadear diferentes projetos enunciativos que poderão compor as avaliações e respostas do interlocutor. Dessa forma, neste artigo, lançamos nosso olhar para as trocas sociais que se configuram na leitura verbo-visual de três capas da revista Veja.
Sabemos que a mídia tende a apreciar um candidato em detrimento de outro e isso já pôde ser observado nas campanhas de 1989 e 2002, em que, por exemplo, a TV Globo apoiou, respectivamente, Collor e Lula. Assim, podemos afirmar que esse meio de comunicação contribuiu para que esses candidatos fossem eleitos. Consequentemente, para compreendermos nosso objeto estético — as capas de revista Veja — é fundamental levarmos em consideração a realidade original das capas, tendo em vista que há um projeto enunciativo, em que certa apreciação valorativa é dada aos leitores a fim de obter determinado resultado em relação às eleições de 2010.
Nossa análise parte do olhar investigativo acerca do destaque da mídia impressa para com os candidatos à presidência da República. Para isso, selecionamos três capas da revista Veja de edições e publicações diferentes. A primeira capa corresponde ao mês de fevereiro, nela aparece a candidata Dilma Rousseff, representante do partido do PT. Já a segunda é referente ao mês de abril e dá ênfase ao candidato José Serra, do PSDB. E a última capa diz respeito ao mês de agosto e tem como destaque os três candidatos, que se destacam nas pesquisas de opinião: Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva.
Comecemos a análise pela primeira capa, em que observamos alguns recursos visuais e verbais. A imagem da candidata Dilma em preto e branco dá ênfase à cor vermelha que emoldura a capa, cor símbolo do PT. Essa cor intensifica a presença da candidata e esse recurso visual acaba por interferir na entonação avaliativa do eleitor. Além disso, há 4 estrelas vermelhas, uma está junto ao colar, funcionando como pingente e as demais marcam os enunciados que compõem as chamadas da reportagem.
O enunciado verbal “a realidade mudou, e nós com ela” caracteriza as transformações ocorridas durante o governo Lula, principalmente, em relação a algumas posições do Partido dos Trabalhadores (PT). Essa fala reforça seu papel junto à sociedade de assumir o compromisso com o futuro, sem alterar a proposta do governo atual. Assim, Dilma se responsabiliza pelas suas ações atuais e futuras.
Segundo Bakhtin (1920-1924, p. 62), “pensamento participativo (não indiferente) é, de fato, a compreensão emocional-volitiva do Ser na sua unicidade concreta sob a base de um não-álibi no Ser. Isto é, é um pensamento que age, um pensamento que se refere a si mesmo como à única ação responsável”. Desse modo, Dilma não pode isentar-se de sua fala. Ela será responsabilizada por todos seus atos no futuro, pois já assumiu esse compromisso com seus eleitores e negá-los colocará em jogo todas as conquistas do PT, precisamente do governo Lula.
Em contraposição, temos, na segunda capa, o candidato José Serra, cuja imagem é apresentada em cores, deixando transparecer certa simpatia, aproximação com o eleitor, pois, em sua face, há um largo sorriso meigo, enquanto a Dilma dialoga de forma indireta com leitor da revista. Percebemos também a cor de seu partido PSDB, na expressão “Serra pós-Lula”.
Em relação ao enunciado verbal, “Eu me preparei a vida inteira para ser presidente”, existe determinada apreciação valorativa que a editoria da Veja almeja, haja vista que ela quer evidenciar que a candidata Dilma tem pouca experiência política, posto que vai dar apenas continuidade aos projetos do governo atual, enquanto Serra tem uma longa trajetória política, o qual se sente mais preparado para governar nosso país.
Na terceira capa, notamos que se faz menção apenas aos três candidatos evidenciados pela pesquisa de opinião, desconsiderando os demais. Dessa forma, há uma entonação direcionada para a exposição partidária, uma vez que há destaque apenas para os partidos que já são reconhecidos devido à sua história, enquanto outros apenas ganham certa notoriedade quando se filiam a outros partidos. Nesse sentido, temos a caricatura da Dilma, do Serra e da Marina Silva, em que suas ligações partidárias são evidenciadas nas cores de suas vestimentas.
No enunciado não-verbal, notamos a disposição dos candidatos pendurados nos anzóis servindo-se de iscas para fisgar seus eleitores indecisos, porém, havemos de considerar o modo como cada um deles se dispõe em direção ao enunciado verbal, sugerindo o momento da fisgada dos eleitores indecisos. No lado em que aparece a candidata do PT, ela se apresenta abaixando-se de modo sutil, delicadamente em direção a seus eleitores. O anzol, no qual ela se encontra direciona-se à parte do enunciado “indeciso” que se mostra organizada. Em nosso entendimento, a apreciação valorativa sugere que há certo reconhecimento de que a candidata se encontra em uma posição mais confortável, uma vez que já têm definidos, em certa medida, seus eleitores.
Em contraposição a isso, percebemos, de modo semelhante, a disposição dos dois outros candidatos, Serra e Marina Silva. Estes se encontram dispostos nos anzóis de maneira não discreta para fisgar seus eleitores, ou seja, seus gestos e modo como se abaixam, sugerem, de certo modo, que são eles que precisam pescar os eleitores indecisos para definirem êxito em suas campanhas no momento da conquista desses eleitores. Assim, tanto o anzol em que o candidato do PSBD se encontra e o anzol no qual se insere a candidata do PV se remetem à parte do enunciado “indecisos” que se mostra solta, ou seja, é sugerido, como apreciação valorativa destes elementos, que os leitores que ainda não definiram seus candidatos devem ser fisgados.
Em vista disso, dizemos que há uma entonação avaliativa presumida por conta das escolhas feitas pela editoria da Veja, precisamente, no que tange às imagens dos candidatos, às cores que acompanham os enunciados escritos como também aos próprios enunciados que carregam certas avaliações e não outras. Dessa forma, o evento — as eleições para Presidente da República 2010 — recebe, a cada momento, diferente entonação. Ou seja, Bakhtin ([1952-53/1979] 2003, p.132) afirma que quando um conteúdo objetivo é expresso, junto com ele caminha um valor apreciativo. “Sem acento apreciativo não há palavra”.
Nesse sentido, a atividade ética que perpassa as três capas da revista Veja está voltada para consolidar, em boa medida, a campanha de Dilma Rousseff, e ainda demonstra aos brasileiros quais os partidos têm seu espaço conquistado no cenário político. Quer dizer, tudo isso faz com que cada um de nós, ao ter contato com essas capas, assuma uma posição avaliativa. Assim, o ser e o agir do sujeito está sempre aberto a dar suas contrapalavras.
De acordo com Sobral (2005), o agir do sujeito diz respeito aos planos ético e estético. O ético está relacionado com o agir no mundo, ligado de modo direto com a realidade. Já o estético corresponde à reflexão elaborada, ao acabamento. Ainda segundo o autor, a experiência de cada sujeito situado historicamente é sempre mediada pelo agir em determinado contexto e pela avaliação do sujeito. Portanto, o agir de cada indivíduo corresponde ao contexto social dado, a sua realidade de mundo, a soma destes irá determiná-lo ou criá-lo, em termos estéticos.
Esse autor (2009, p. 88) ainda afirma que “a entonação avaliativa e a responsividade ativa são assim atitudes vitais presentes em todo ato em toda enunciação, vinculados como todo processo de apropriação social e histórica do mundo pelos sujeitos.”
Em nosso entendimento, esse projeto enunciativo vai requerer do leitor uma posição avaliativa e uma reposta presumida. Contudo, essa resposta presumida irá depender do lugar social em que o leitor ocupa, podendo discordar ou concordar com esse projeto comunicativo.
Por fim, entendemos que o individual está sempre dialogando com o coletivo. Segundo Brait (2005, p. 98) “em textos, verbais, visuais ou verbo-visuais deixam ver, em seu conjunto, os demais participantes da interação [...] que por força da dialogicidade, incide sobre o passado e sobre o futuro”.
Referências
BAKHTIN, M (1920-1924) Para uma Filosofia do Ato. Tradução não-revisada e de uso didático e acadêmico feita por Carlos Alberto Faraco e por Cristovão Tezza de Toward a Philosophy of the Act. Austin: University of Texas Press, 1993.
_____. (1920-1924). Arte e Responsabilidade. In: _____. Estética da criação verbal. Traduzido por Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
______. (1952-1953/1979. Os gêneros do discurso. In: _____. Estética da criação verbal. Traduzido por Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BRAIT, B. (2005). Estilo. In: BRAIT, B. (Org.) Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2008.
SOBRAL, A. Elementos da teoria estética em seu vínculo com a questão do gênero. In:______. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Mercado de Letras, 2009.
_______. (2005).Ético e estético. In: Bakhtin: conceitos –chave. São Paulo: Contexto, 2008.
REVISTA Veja. São Paulo: Abril Cultural. Edição 2153, ano- 43- nº8, 24 de fevereiro de 2010. www.veja.abril.com.br Acesso em 15 de set. 2010.
_____. São Paulo: Abril Cultural. Edição 2161, ano- 43- nº16, 21 de abril de 2010. www.veja.abril.com.br Acesso em 15 de set. 2010.
_____. São Paulo: Abril Cultural. Edição 2178, ano- 43- nº33, 18 de agosto de 2010. www.veja.abril.com.br Acesso em 15 de set. 2010.
[1]REBAK (Relendo Bakhtin), MeEL/UFMT, grupo de estudo coordenado pela profª. Dra. Simone de Jesus Padilha.
[2] Professora do Departamento de Letras do UNIVAG – Centro Universitário de Várzea Grande; Mestre em Estudos Linguísticos pela UFMT.
[3]Aluna do Programa de Pós-graduação do Mestrado em Estudos de Linguagens (MeEL/UFMT), orientanda da professora doutora Cláudia Graziano Paes de Barros.
[4] Professora de Linguística das Faculdades Integradas ICE e Comunicação Empresarial do Instituto Cuiabá de Ensino e Cultura (ICEC); Mestre em Estudos Linguísticos pela UFMT.
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