Antonieta B.T. de ANDRADE
Rúbia Cristina CRUZ
Voei sempre no meio dos pássaros,
desfrutei das belezas do mundo
com as asas que me deram.
Retirei o néctar e o perfume das flores
que alguém havia plantado,
como fazem as borboletas.
Naveguei por mares e rios,
em caminhos seguros, previamente definidos.
Desfrutei do vento e dos cheiros da natureza.
Só andei por florestas já desbravadas.
Hoje, subi a montanha,
quebrando as pedras ásperas do caminho,
na busca de um novo olhar,
de uma nova perspectiva,
de uma nova experiência.
Ousei me atirar num vôo livre,
cai no chão, machuquei-me até a essência.
Levantei e comecei a subir novamente a montanha,
Recomecei.
Talvez agora,
eu consiga abrir
minhas próprias asas.
Andrade, A.
A reflexão no cotidiano escolar prescinde um contato mais amiúde com as idéias de Bakhtin, em sua concepção humana no mundo concreto da ação, pois nos instiga a pensar a relação ética com o outro. A prática educativa na gestão educacional nos [[1]] impõe uma responsabilidade entre o mundo vivido e o mundo representado nos discursos diários deste cotidiano.
O universo do trabalho converte-se no universo da aprendizagem é quando estabelece o diálogo como um princípio de convivência coletiva, que se compõe a partir da relação entre os sujeitos da escola, educadores e estudantes, crianças, jovens e adultos. Travamos nestas relações de convivência, algumas vezes harmônicas e outras vezes carregadas de tensões, disputas de valores e conceitos, formadas nos lugares do fato experimentado e ali se fazem representadas na fala, nas manifestações ideológicas e nas dispersões dos diversos olhares, nos gestos.
Muitas vezes, organizados em grupos de trabalho em reuniões pedagógicas, os debates explicitam temas sobre as estruturas funcionais, educacionais, os currículos necessários, os métodos e teorias apropriados para o sucesso escolar na contemporaneidade. Perguntamo-nos: Que assunto é esse? Onde e como estão vivendo as pessoas, as crianças, os jovens e os adultos que compõem a escola, este local de diversidades? O que estão pensando? Quais são suas idéias e sonhos? Seus ideais? O que estamos fazendo? Será que as entendemos na sua forma de elaborar e construir seus saberes? Estamos dialogando, estamos visualizando seu foco? A abordagem estética sobre o que apresentamos tem vida, tem mundo sensível? Tem autor que ganha forma e sentimento?
Para mostrar a dissociação entre cultura e vida nas ciências humanas, Bakhtin afirma que [[2]]:
O momento que o pensamento teórico discursivo (tanto nas ciências naturais como na filosofia), a descrição-exposição histórica e a intuição estética têm em comum, e que se reveste de particular importância para nossa investigação é: todas essas atividades estabelecem uma cisão fundamental entre o conteúdo ou sentido de um dado ato/atividade e a concretude histórica do ser desse ato/atividade, a experiência atual e uni-ocorrente dele. E é em conseqüência disso que o ato dado vê-se privado de seu valor, bem como da unidade de seu vir-a-ser e de sua autodeterminação atuais.
[...]
E, como resultado disso, dois mundos entram em confronto, dois mundos que não têm absolutamente nenhuma comunhão entre si e que são insensíveis um ao outro: o mundo da cultura e o mundo da vida. (SOBRAL 2008, p.223)
Percebemos que muitas vezes há idéias pré-concebidas e enraizadas da realidade escolar impostas por cultura acrítica que nos impede uma aproximação mais verdadeira com as pessoas; ora, entendemos que o dialogismo se constitui na alternância dos sujeitos que se encontram e se falam. O mundo da vida tem a sua própria construção dialógica como seus próprios discursos, mergulhados nas identidades dos sujeitos, carregados de compreensões, informações, polissemias, correntes ideológicas, circulando nos lugares com as incoerências peculiares do pensamento humano entre o vivido e o sonhado.
Nos ambientes escolares, nós educadores, temos a pretensa ideia de discutir intensamente todas as ações propostas, visando o aprimoramento técnico de nossas ações pedagógicas e o atendimento às cobranças de nossos critérios de controle, porém, não são suficientes para ampliar a visão da realidade, compreender as relações e tensões que se apresentam. Precisamos ampliar nossos meios de interação que provoque sentido aos estudantes, em suas aspirações pessoais, ampliar ambientes de diálogo, em que cada um se sinta integrado nas suas representações, em seus interesses e perceber a necessidade do conhecimento ampliado para suas buscas interiores ao olhar o mundo da vida. Como expressa Bakhtin,
O mundo interior e a reflexão de cada indivíduo têm um auditório social próprio bem estabelecido, em cuja atmosfera se constroem suas deduções interiores, suas motivações, apreciações, etc. Quanto mais aculturado for o indivíduo, mais o auditório em questão se aproximará do auditório médio da criação ideológica, mas em todo caso o interlocutor ideal não pode ultrapassar as fronteiras de uma classe e de uma época bem-definidas. (2006, p.117)
Mas, se queremos conhecer nossos estudantes precisamos trabalhar com sua linguagem, engendrar ações e atividade que tragam a vontade em participar, se ver como sujeito de sua própria história, buscando descobrir suas reais necessidades construídas no coletivo, como sujeito social que é. Talvez desta forma, poderíamos traçar novos caminhos de projetos de escola que visassem de alguma forma construir um ambiente intelectual que contribuísse com os estudantes na sua articulação social, política e cultural, com a possibilidade de criar e produzir para si e seu coletivo, os meios de sobreviver no mundo contemporâneo com a dignidade necessária a todo ser humano.
Consideramos que nossa memória do futuro aponta para uma educação transformadora, como define Bakhtin, “a memória do futuro é sempre moral” (2003, p.140), de valor na humanidade, do encontro da cultura com o mundo da vida, entre seus sujeitos criativos. Desta forma, a responsabilidade moral presente está em nosso excedente de visão, proposto pelo outro, o estudante - seja ele criança, jovem ou adulto – e, procurar compreender seu senso provocativo, perceber sua estética, sua linguagem, o seu outro lugar - aquele que ele se vê fora do contexto que ali lhe é dado.
Como nos apresenta Bakhtin
O excedente de visão é o broto em que repousa a forma e de onde desabrocha como uma flor. Mas para que esse broto efetivamente desabroche na flor da forma concludente, urge que o excedente de minha visão complete o horizonte do outro indivíduo contemplado sem perder a originalidade deste. Eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento. (2003, p. 23)
Cabe-nos, atores da situação real e personagens para eles do mundo imposto, compreendermos a constituição destas relações e sermos sensíveis às suas necessidades, mesmo aquelas que exigem a ruptura com os padrões sociais.
Vivermos o tensionamento das relações é termos a coragem para, muitas vezes, enfrentar confrontos e rupturas nos momentos de debate, mas é postura de quem busca, de quem está em um processo de construir seus saberes. Nosso desafio é não nos perdermos nesse ambiente, que muitas vezes se apresenta hostil à nossa sensibilidade, não nos exaurirmos, portanto, não forjar uma autoridade de quem traz na experiência a resposta adequada. É preciso procurar o lugar de aprendiz. Isso poderá se apresentar com as rupturas que, olha esses confrontos como o novo que sempre vem forte, brotando idéias, desafiando limites, na busca das emoções, ávidos de novos sonhos e desejos, e é nesse ambiente que o diálogo poderá levar à reflexão de seus caminhos, não mais com as respostas prontas, mas muitas vezes com indagações e perguntas do contexto apresentado num processo desafiador que possa contribuir com a formação e os saberes de todos nós, sujeitos da escola.
Precisamos nos fazer constituintes da sua formação, da sua individualidade, de sua identidade, da sua representação social, e compreendermos nossa ação com os sujeitos que poderão romper com o que for necessário, num ato responsável para se aportar no interior de suas reflexões, composto pelos seus saberes, no diálogo com o outro e com sua forma de aprender, sabedores de que, em nossa formação, nos constituímos profissional, identitária e socialmente com os alunos.
Referências Bibliográficas
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4ª ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da linguagem. 12ª ed. Trad. Michel Lahud & Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2006.
SOBRAL, Adail. O ato “Responsável” ou Ato Ético, em Bakhtin, e a Centralidade do Agente. SIGNUM: Estudo Linguagem , Londrina, n. 11/1, p. 219-235, jul. 2008
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