segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O professor produtor – Uma breve reflexão


Hannah Moreira Ferraz de Lima



Eu não posso me arranjar sem um outro, eu não posso me tornar eu mesmo sem um outro; eu tenho de me encontrar num outro por encontrar um outro em mim.
Mikhail Bakhtin

Volto, neste momento, meu olhar para o livro “Arenas de Bakhtin – linguagem e vida” e, especialmente para o texto “Entrecruzando estéticas para tentar definir a linguagem cinematográfica”, reflexão dos autores Ivo Di Camargo Júnior e Sidney de Paulo.
Os autores trazem com este  texto, novas visões acrescentadas à minha formação como indivíduo social que anteriormente não teria percebido sem lê-lo. Logo no início, Camargo e Paulo me mostram novamente o pensamento do russo Mikhail Bakhtin sobre o mundo, e baseando-se no teórico afirmam que “(...) vida e arte só fazem sentido na unidade de quem as incorpora” (CAMARGO JÚNIOR; PAULO, 2008, p.165), e seguindo esta linha, falam sobre o cinema linguagem.
O fato é que os autores discursam sobre um cinema tão incerto e tão inseguro quanto à própria vida. Logo, este cinema que vejo não está pronto, mas em constante mudança de acordo com seu contato com o público. Percebi com a leitura, a importância da citada estética de responsabilidade da arte como produto de cultura de massa. Ora, se o público é quem define o filme, o produtor por sua vez, precisa não somente produzir imagens e sons que lhe sejam agradáveis, mas que provoquem neste público sentimentos e reações basicamente esperados. Percebo e compreendo, então, que o cinema é uma arte ideológica e semiótica e que esse valor semiótico está presente em nossa primeira impressão sobre o filme.
Quando me proponho a ver um filme, é claro que em primeiro lugar o que me prende é a forma com que as imagens e os sons são distribuídos. E mais uma vez está explicitada aí a responsabilidade do produtor na interação entre os textos.
Gostaria de fazer uma pausa para reflexão a partir do meu trabalho como bolsista de iniciação científica pela FAPEMIG[1] da Universidade Federal de Juiz de Fora. Sou co-pesquisadora do Subprojeto III da pesquisa “Computador-internet e cinema como instrumentos culturais de aprendizagem na formação de professores (2010-2014)” [2] do Grupo de Pesquisas Linguagem, Interação e Conhecimento (LIC) coordenado pela professora Maria Teresa de Assunção Freitas na Faculdade de Educação da instituição acima citada.
O presente subprojeto, cuja pesquisadora responsável é a mestranda Ana Paula Pontes de Castro, integrante do grupo, visa

Compreender como as atividades de escrita online, em ambientes virtuais de aprendizagem utilizados no desenvolvimento de aulas de graduação de cursos presenciais de Pedagogia e Licenciatura podem contribuir para a aprendizagem dos alunos e proporcionar uma escrita autoral e argumentativa (FREITAS, 2010, p. 23).

O campo desta pesquisa trabalhou com duas disciplinas de graduação: uma presencial do curso de licenciatura em Letras e outra semipresencial do curso de Pedagogia. A metodologia utilizada foi composta por observações virtuais da plataforma Moodle e entrevistas dialógicas individuais com as professoras e coletivas com os alunos. Meu papel como co-pesquisadora era de observadora das entrevistas, além de filmá-las, gravá-las e transcrevê-las. Além disso, redigi notas de campo a fim de registrar meu olhar sobre as entrevistas realizadas: um olhar exotópico, de observadora que está por trás das câmeras, diferente do olhar da própria pesquisadora.
Observei que as alunas tinham um território socialmente organizado em interação linguística pela professora e realizavam essas interações motivadas pela situação criada. A visão da professora e as visões das alunas em relação a um mesmo espaço em um mesmo momento vivido eram completamente diferentes. Cada uma delas via  a situação de interação mediada pela escrita com o outro de forma diferenciada. Uma fala recorrente que pude ver nas entrevistas é a dificuldade que elas tinham em escrever algo que fosse realmente compreendido pela docente e pelas colegas. Tudo girava em torno da importância da visão do outro sobre o que eu estava a dizer.
Bakhtin ainda mostra sobre isso que o outro é imprescindível para minha constituição. Não está aí a minha noção de responsabilidade sobre a arte de meu dia-a-dia?
O que vivi em campo como co-pesquisadora e as leituras que faço de Bakhtin e seu círculo levam-me a reflexões sobre a minha constituição como sujeito. Gosto de pensar que não me arranjo sem um outro porque isso me faz ser menos individualista. Faz-me pensar, como as alunas da plataforma, na importância do que eu falo ou escrevo em relação a este outro. Aumenta então a minha estética de responsabilidade citada por Camargo e Paulo acerca do cinema.
Retornando da pausa reflexiva, volto ao começo do texto para explicar o porquê de ter falado em cinema. Fazendo uma comparação, compreendo que o professor nada mais é que um produtor. Ele precisa preparar o espaço para a primeira impressão de seus alunos, proporcionando, no caso, na plataforma imagens que prendam a atenção desses alunos para a atividade principal. Este ainda tem a mesma estética de responsabilidade do produtor de um filme, pois é a partir de suas reflexões que os alunos começam a discussão nos fóruns online passando assim, às suas interações via escrita.
Deixo claro que percebo o professor como um produtor cinematográfico, o texto discutido como o próprio filme e os alunos como o público em questão. Volto, então, a dizer que o conceito de que o Eu não se constitui sem o Outro, torna-se cada dia mais pertinente em uma sociedade em que, como observa Vygotsky, nascemos duas vezes: uma biológica e outra socialmente. A interação social é o que me faz ser quem hoje sou e é através dela que me constituo como um indivíduo real. Compreendo, finalmente que,

A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar etc. Neste diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos (GEGe, 2009, p. 29).






Referência:
CAMARGO JÚNIOR, I..; PAULO, S. Entrecruzando estéticas para tentar definir a linguagem cinematográfica. In.: Arenas de Bakhtin – linguagem e vida. São Carlos: Pedro & João Editores, 2008. p. 165-172.

FREITAS, M. T. A. Computador-internet e cinema como instrumentos culturais de aprendizagem na formação de professores. 2010-2014. 57 f. Projeto de pesquisa-Grupo de pesquisa Linguagem, Interação e Conhecimento, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010.






[1]  Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais.
[2]  Pesquisa financiada pelo CNPq e FAPEMIG.

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