domingo, 26 de setembro de 2010

O OLHAR ESTÉTICO EM PROCESSOS INTERTEXTUAIS DE VÍDEOS PUBLICITÁRIOS: QUANDO A FORMA PRECISA FAZER SENTIDO



 Dirce Leia Paula Padilha

“A concepção bakhtiniana do estético não se baseia no sublime de Kant, nem nas estéticas impressionistas ou expressionistas, mas resulta de um processo que busca representar o mundo do ponto de vista da ação exotópica do autor, que está fundada no social e no histórico, nas relações sociais de que participa o autor.” (p. 108)
O texto será tomado como elemento básico utilizado no processo de ensino de língua materna. É lendo e escrevendo textos que o aluno pode desenvolver a sua competência comunicativa, podendo posicionar-se verbalmente frente aos temas mais variados, em situações comunicativas concretas. Interessa, neste trabalho, o diálogo entre textos e entre discursos, por isso terá como foco a intertextualidade e a interdiscursividade. Selecionaram-se vídeos com propaganda de produtos em um suporte muito utilizado atualmente como meio de persuasão. , a televisão, a fim de evidenciar processos, elementos e semioses específicos do meio audiovisual Infelizmente esse encaminhamento ainda é incipiente nas escolas e, por vezes, inadequado, visto que poderia ser abordado de uma forma mais interativa, valorizando-se o “olhar estético”, “afastado”, em relação ao vídeo, o que teria que incluir forma e conteúdo. Com a junção desses dois “movimentos”, seria apropriado, ainda, enfatizar o “posicionamento”, a “ação”, o “agir ético”.
“A obra estética tem como tema o mundo dos homens, suas decisões éticas,seu labor teórico,suas intenções,seu viver, aos quais representa na construção da obra estética.” (p. 109)
A intertextualidade pode ser um recurso amplamente explorado pelo professor não só conscientizar os alunos quanto à existência desse recurso, o que seria absolutamente sem propósito, mas fundamentalmente para viabilizar um “movimento associativo” complexo no processo de “leitura” e compreensão desse material, levando em consideração a “linguagem” desse suporte.
Para Bakhtin, só pode ser real um ato apreendido em sua inteireza, o que se acha vinculado com o pensamento participativo (não-indiferente), dado que sua intenção última é propor, coerente com sua característica vital de pensador, mais que cientista, a fusão e interpenetração entre cultura e vida, a seu ver impedidas pelas abordagens a que se propõe.” (p. 26-29)
Os estudos de Bakhtin sobre polifonia, enunciado, dialogismo pautarão essa abordagem, de cunho pragmático, que objetiva a análise de elementos da ordem do não-verbal, em audiovisual. A intertextualidade com o cinema utilizando a alusão aparece em vídeos publicitários dos mais diferentes segmentos de mercado, bem como os filmes que serviram como fontes pertencem aos mais diversos gêneros. Ingedore Koch (1997, p. 46), esclarece:
Todo texto é um objeto heterogêneo, que revela uma relação radical de seu interior com seu exterior: e, desse exterior, evidentemente fazem parte outros textos que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a que alude, ou a que se opõe.

Na publicidade, todo texto, direta ou indiretamente, implícita ou explicitamente, remete a outros textos anteriores. Para Bakhtin, o texto não é exclusivamente verbal, pois é qualquer conjunto coerente de signos, seja qual for sua forma de expressão. Esse método criativo, impregnado na atividade publicitária, dentro dos recursos persuasivos, do tratamento de sedução e da linguagem emocional traduz-se num emaranhando rizomático de relações intertextuais. Percebe-se que a relação dialógica não acontece somente entre discursos interpessoais (seja escrito ou verbal), embora tenha se originado dentro dessa concepção: ela abarca a diversidade das práticas discursivas de maneira mais ampla e aberta. O fato de os indivíduos procurarem organizar-se em grupos e terem que atuar sobre o conflito que os diferentes interesses geram, faz com que o discurso seja, necessariamente, dialógico, porque
Nossa fala, isto é, nossos enunciados [...] estão repletos de palavras dos outros, caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade, ou pela assimilação, caracterizadas também em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado. As palavras dos outros introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos (Bakhtin, 1992, p. 314).

É comum perceber que a maioria das pessoas não observa a propaganda em seus mínimos detalhes, ou seja, com um olhar estético, distanciado. “O ato estético enquanto fenômeno acabado não se constitui pelos limites do plano vivencial, mas pelo excedente de visão.” BAKHTIN (1989, p. 142).
              Os vídeos publicitários, a maioria deles, são ricos em cores e movimentos, o que é observado no vídeo publicitário da Volkswagem, que para anunciar as mudanças do Novo Cross Fox coloca na mídia uma campanha criada pela AlmaBBDO, anunciando as novidades do carro de maneira lúdica, criando uma fábula para mostrar o espírito ágil e aventureiro do Novo Cross Fox. O comercial chama-se “Tigres”, duração de 30 segundos. O Novo Cross Fox é colocado em uma savana africana. É nesse ambiente selvagem que se passa a história do carro amarelo que é criado por tigres como se fosse um deles. O tempo passa e o Novo Cross Fox parece cada vez mais integrado ao grupo, até que um dia ele se depara com outros modelos da Volkswagem iguais, o que lhe causa desconforto e dúvida por não saber qual é o seu lugar no mundo. A hesitação dura pouco e ele decide ficar na savana e viver com os tigres nesse ambiente selvagem.

O excedente de visão, que completa a vivência inacabada, é que se          encarrega de criar o acabamento. A construção estética revela-se, assim, como construção de um todo a partir de significados, visões determinadas do ato humano. A estética em nenhum momento deixa de ser a compreensão das relações formais através das quais os valores humanos se manifestam. Estética pensada em termos de vivência; afinal, ser humano é significar, articular valores através de formas com um objetivo preciso: exprimir um tipo de acabamento. Por isso a vivência corresponde á primeira etapa da atividade estética, em que “a imagem do outro se completa com o excedente da minha visão” (Bakhtin, 1989, p. 32)

O comercial faz alusão ao filme “Tarzan”, que é criado longe da cidade por macacos em uma selva adquirindo seus hábitos e até mesmo sua linguagem e ao filme “Mogli – O menino lobo”, criado por lobos. A intertextualidade pode se manifestar em forma de citação de outro texto, como de alusão, observada na propaganda da Volkswagem, referência a outro texto com uma pequena mudança que permite identificar o original, ou então em forma de estilização de algum outro. 
A presença do intertexto na publicidade pode ser mais constante do que se imagina e do que se nota. Nas obras literárias, a intertextualidade se apresenta de forma mais consciente e até natural, como um fenômeno cumulativo, em que quanto mais se absorve a mensagem mais se percebem vestígios de textos anteriores, presentes no que se lê, ou seja, o olhar estético é mais utilizado, o que torna mais fácil a percepção da mensagem e sua relação cultural com outros objetos, textos e obras, facilitando a compreensão de quem a lê.
“Assim, a ética, para Bakhtin, é um conjunto de obrigações e deveres concretos. Já a concepção de estética resulta de um processo que busca representar o mundo do ponto de vista da ação exotópica (lugar de fora, ainda que um fora relativo, pois uma posição de fronteira, lugar móvel, sem uma de-limitação pré-determinada, de onde o sujeito vê o mundo com certa distancia, a fim de trans-figurá-lo na construção de seu discurso – sua veridicção – estética, como é o caso do dizer midiático) do sujeito, fundada no social e no histórico.
A posição exotópica é a posição a partir da qual é possível o trabalho estético, a ação de construir o objeto estético. E o jornalista é o sujeito artista que compõe o dizer midiático, trans-formando-o em narrativa estética.” (p. 61)

        Nesse contexto é que a publicidade se apresenta mais do que como um discurso de
adesão ao consumo, como uma forma de saber e construtora de subjetividade, posto que
não somente oferece produtos, como também propõe modos de ser e de viver, apresentando seu discurso sobre o mundo e sobre os sujeitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN. M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997 b.
FIORIN, J.L. Polifonia Textual e Discursiva. In Fiorin, J. L.; Barros, D. L. de (Orgs.). Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade. São Paulo: Editora da USP, 2003.
BRAIT, Beth (Org.) Bakhtin: Conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.
KOCH, Ingedore Villaça. O Texto e a Construção dos Sentidos. São Paulo: Contexto 1997.

Nenhum comentário:

Postar um comentário