Robson Borges Rua
Universidade Federal do Pará (UFPA)
As aulas de redação ministradas pelos professores de língua portuguesa em muito se embasam em fatos sociais, os quais implicam diretamente ou indiretamente na formação do aluno enquanto cidadão.
A seleção do recurso didático feita pelo professor além de num primeiro momento se pautar em sua expressividade, mais adiante estabelecerá uma relação de reciprocidade de efeitos de sentidos quando o tripé: professor, recurso didático e aluno dialogarem acerca do tema proposto pelo educador. E essa proposição não surge do acaso, ela é no mínimo estimulada pelo letramento, no qual o educador está inserido, ou seja, “através das múltiplas e dinâmicas experiências vivenciadas em seu dia a dia, são construídos valores e modos específicos, que envolvem concepções de ensino, práticas pedagógicas e as representações concernentes à sua própria imagem e ao seu papel social.” (Almeida 2001, p.123)
Uma vez que realizada a seleção do tema pelo professor, os próximos passos são elaborar um material didático que proporcione diálogos com os alunos, pois o filósofo russo, BAKHTIN apud FIORIN, José (2006 p. 18-19) já afirmara que:
relações dialógicas não se circunscrevem ao quadro estreito do diálogo face a face, que é apenas uma forma composicional, em que elas ocorrem. Ao contrário, todos os enunciadores no processo de comunicação, independentemente de sua dimensão, são dialógicos. Neles existe uma dialogização interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro, é sempre e inevitavelmente também a palavra do outro
Por isso, afirma-se nesse trabalho que o recurso didático, quando elaborado pelo educador, submete-se ao diálogo com o tripé: professor, recurso didático e aluno.
O efeito de sentido estabelecido no tema da produção textual ultrapassa as formas lingüísticas e a realização dos enunciados com a pragmática, ele desperta no interlocutor um olhar reflexivo sobre o papel do sujeito na sociedade. Essa reflexão surge da expressividade do sujeito ao entrar em contato com os variados tipos de texto que o cercam. Quando o interlocutor é atraído por uma informação que é co-textual, uma série de impressões acerca daquela informação está em processo na mente desse interlocutor, ou seja, a informação está transitando nos possíveis contextos sociais, em que somente o sujeito atraído é capaz de relacionar um fato histórico a um social que pode ter sido evidenciado ou não por esse sujeito. A esse processo de transição nos possíveis contextos gerado na mente do interlocutor é que se denomina de estética, enquanto que a ética é a materialização dessa reflexão.
O dialogismo apresenta-se nas relações dos discursos assumidos pelo produtor de um texto e, esses discursos se apóiam nos demais que se voltam para a sociedade (Fiorin 2006, p.19). Desse modo, o aluno em seu ato de produção de texto lembra do discurso do professor, quando esse ministrava a aula, lembra das informações postadas no recurso didático e externaliza parte da combinação do co-texto com as reflexões dos diversos contextos em que aquela informação fosse pertinente. Assim, o material pedagógico que servira de mediação entre professor e aluno passa a fazer parte também do processo de enunciação e, a compreensão responsiva ativa, ou seja, a produção textual do aluno já será também o mediador entre aluno e avaliador, aluno e os demais sujeitos que vierem a dialogar com aquela produção textual. Por isso o trabalho é inacabado.
A produção de enunciados é sempre atravessada pelo discurso do outro, seja no texto verbal, no imagético, ou no audiovisual e, a compreensão responsiva do sujeito que dialoga com essa produção também não se isenta das interferências do discurso do outro, mas vale ressaltar que no plano da ética é mais perceptível o processo de dialogização, uma vez que são expostas parcialmente ou totalmente as idéias do sujeito sobre um determinado tema. De igual modo, “uma visão de mundo, uma corrente, um ponto de vista, uma opinião sempre tem uma expressão verbalizada. Tudo isso é discurso do outro (em forma pessoal ou impessoal), e este não pode deixar de refletir-se no enunciado. O enunciado está voltado não só para o objeto mas também para os discursos do outro sobre ele” (Bakhtin, 1997. p.300). Consideremos a ilustração abaixo como proposta para a produção de um ensaio:
No texto imagético acima se percebe que a ação desenvolvida pela personagem é fruto de um ato estético e ético, pois antes da ação a personagem lançou um olhar reflexivo sobre o televisor e possivelmente várias impressões acerca desse eletrodoméstico transitaram pela mente da personagem-sujeito. Os discursos entraram em diálogo e certamente os ecos dos enunciados concretos soaram na memória da personagem: “na televisão só passa o que não presta”, “o conteúdo da televisão é inadequado para as crianças” e muitos outros. Ademais, além desse dialogismo, o ato estético refletiu a expressividade da personagem, de modo que essa externalizou parte dessa expressividade com a ação de quebrar o objeto e, nesse processo o ético se materializou.
Portanto, desenvolver a atividade de produção textual com os alunos em sala de aula vai muito além de uma simples avaliação da competência e da habilidade que o produtor desenvolve no ato enunciativo. O contato com os temas, de imediato desperta no leitor uma reflexão expressiva, embora perpassada por diversos discursos e, ainda que ele pouco saiba argumentar acerca da proposta textual, a estética e a ética sempre estarão presentes nesse sujeito pensante, uma vez que a dialogização é um processo contínuo. E só pelo fato de o aluno ter o contato com o recurso pedagógico elaborado pelo educador o diálogo já se materializa no tripé: professor, recurso didático e aluno.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997
CAMPOS, Ana L. O professor leitor, sua identidade e sua práxis. In: KLEIMAN, Ângela (orga). A formação do professor - São Paulo: Artmed, 2001.
FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin – São Paulo: Ática, 2006.

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