segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A MEMÓRIA COMO BASE CONSTITUTIVA DA ÉTICA E DA ESTÉTICA NO SUJEITO BAKHTINIANO

                                 
Alessandra Vasconcelos (Ufpa)
Elisama Araújo (Ufpa)
Luzia Thamires Souza (Ufpa)
Coordenadora: Profª. Drª Rosa Maria de Souza Brasil (Ufpa)

Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa
Tudo sempre passará
A vida vem em ondas
Como um mar
 Num indo e vindo infinito

Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo
No mundo...
                                  (Lulu Santos / Nelson Motta)

Quem nunca recordou algum momento da sua vida que ficou marcado na memória e percebeu que houve mudança? Quem não tem aquelas lembranças que parecem sempre vivas na cabeça? Logicamente que todos nós temos, e todos passamos por esse gostoso processo de recordar, de relembrar o passado. Mas há algo pertinente que raramente percebemos. O que nos confere essa possibilidade? Isto é, como e porque conseguimos realizar esse processo? Quais são as situações que recordamos com maior frequência, e porque somente algumas e não outras ou todas?
Essa questão é bastante complexa e relativa, entretanto algumas dessas perguntas, conseguimos responder através dos diversos estudos de Bakhtin, no qual nos baseamos para a realização da presente pesquisa. Essas perspectivas vem fundamentar o nosso estudo naquilo que se pretende realizar, no que se refere à apresentação do sujeito bakhtiniano, esse que na verdade não é apenas um, porém, vários que se constroem através dos diversos processos vivenciados por ele em toda a sua vida, estes que constituem  a sua consciência, a sua mente, a sua memória.
Nesse sentido, um dos seus principais estudos consiste na apresentação dos conceitos de ato\atividade e evento que estabelecem a noção de ética e estética que na visão bakhtiniana é concebida de forma diferenciada do que até então se compreendia desses conceitos, os processos passam a ser entendidos de maneira amplamente renovada e inovadora.
Na perspectiva de Bakhtin Ética não é pensada de uma maneira individual, uníssona uma vez que a individualidade não se constitui, segundo Bakhtin, de apenas um self (eu), mas de vários selfes (eus) o que reflete a sua concepção do indivíduo como sendo a soma das relações sociais pelas quais ele vive. Por essa razão, a individualidade, assim como todos os outros fenômenos, é vista através de uma ótica mais abrangente, isto é, de ordem social e coletiva.
Bakhtin propõe uma ressignificação das categorias ética e estética pois ele não “vê” de modo unilateral ou bilateral, mas multilateral, ou seja, de forma geral como realmente ocorrem os processos por ele defendidos. Dessa forma, sua visão de ética e estética é amplamente dimensionada visto que ele “enxerga” através das formas de integração, de interação, isto é, esses fenômenos caracterizam a formação arquitetônica de todo e qualquer processo comunicativo.
Dessa maneira, os atos e pensamentos humanos, não são mais vistos de forma canônica, como sendo a ética um conjunto de regras a serem cumpridas por um determinado grupo de pessoas que agem de maneira a aceitarem certa conduta considerada “correta”, porém a vêem e a compreendem pelo âmbito da “unidade de responsabilidade” que cada sujeito possui esta, que é adquirida no processo, ou seja, no momento de realização do ato, testificamos essa questão quando:

Ele vê assim o ato como um complexo cenário que cabe ao estudioso filosófico identificar e descrever. São atos para Bakhtin tanto as ações físicas com as de ordem mental, emotiva, estética (produção e recepção), todas elas tomadas em termos concretos e não somente cognitivos ou psicológicos. (SOBRAL, 2005a, p.28)

Por essa razão, essa noção de respondibilidade de cada sujeito, Bakhtin destaca de forma que não possuímos “álibi”, ainda segundo Sobral (2005a, p.104):

A idéia de que o sujeito humano é marcado pela ausência de “álibi” na vida, isto é, de que cada sujeito deve responder por seus atos, sem que haja uma justificativa a priori, de que caráter geral, para seus atos particulares, e, do outro.
    
Dessa forma, no âmbito da realização do ato concreto, define o posicionamento do sujeito acerca de suas atitudes éticas e estéticas, ou seja, todos somos agentes e responsáveis por cada fato que se passa em nossa vida.
Nesse sentido, a Obra escolhida trata-se de “Markheim” de Robert Louis Stevenson, esta que por sua riqueza literária no âmbito das ações do personagem na qual destaca-se o sujeito como agente de suas ações no decorrer da narrativa em que se constitui como uma história voltada, principalmente, para a apresentação da memória de maneira constitutiva da consciência da personagem.

A MEMÓRIA E O SEU INACABAMENTO X A CONSTRUÇÃO DO SUJEITO
             Ao se debruçar sobre um texto literário, no qual a memória desempenha um papel preponderante, o sujeito (a personagem) tenta buscar um fragmento passado de sua vida, há sempre uma sensação de fluidez, dinamismo no que tange a construção do fluxo da memória. De fato, esse contato a priori, não é falacioso, visto que na memória pode-se observar o inacabamento da lembrança, e consequentemente a construção e a continuidade da recordação.
            Tudo porque, segundo o livro A traição de Penélope de Lúcia Castelo Branco: “o passado não se conserva inteiro” (CASTELLO BRANCO, 1994, p.26) e ainda na mesma obra afirma-se que: “o gesto de se debruçar sobre o que já se foi implica um gesto de edificar o que ainda não é, o que virá a ser” (CASTELLO BRANCO, 1994, p. 26), por essa razão, a memória nunca é algo pronto e sim uma permanente edificação. Por conta disso, não se pode conservar o passado integramente, pois como diz Llosa (2004, p.24): “A recomposição do passado  que acontece na literatura é quase sempre falaz” .
Dessa maneira, pode-se entender a construção da memória de Markheim, como neste trecho que ele retoma o passado e acrescenta algo no momento da lembrança:

(...) voltou-lhe a memória um compasso da música daquele dia; e com ela, pela primeira vez, sentiu mal-estar, ânsia de vômito, fraqueza repentina da juntas, que teve de esforçar-se por vencer (STEVENSON, 2004, p.95).

Como podemos observar no fragmento acima, o ato vivido no passado é relembrado e atrelado a ele, uma reedição através do acréscimo de algo novo, ou seja, uma nova sensação: “e com ela, pela primeira vez, sentiu mal-estar, ânsia de vômito, fraqueza repentina das juntas, que teve de esforçar-se por vencer”. Essa recordação não é apenas um retorno ao passado, mas, um reelaboração no presente, Massaud Moisés contribui com isso ao afirmar que: “o passado só aparece quando se torna parte do presente”. ( MOISÉS, 1967 p. 203)
             Essa contínua transformação da memória em algo novo, só é possível por conta da personagem que se equipara ao individuo da vida real e, portanto é passível, ao longo da vida, de transformações, afinal o sujeito segundo Bakhtin não nasce e nem morre pronto, pelo contrário, a todo o momento se modifica.  A partir disso, Sobral acrescenta que pode-se ver o sujeito:
                              
No âmbito de uma arquitetônica em que os diferentes elementos que constituem sua fluida e situada identidade estão em permanente tensão, em constante articulação dialógica. (SOBRAL. 2005b. P. 105)


O ATO ÉTICO E ESTÉTICO NA CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA
        Pensar no sujeito como agente e modificador da vida, nos leva a refletir sobre o ato ético e estético do sujeito bakhtiniano na memória em textos literários. Pois que, a contínua volta ao passado e a mudança deste no presente relembrado, implica tanto na postura ética como também na postura estética do sujeito/ personagem, tendo em vista, o caráter da memória como um ato constante de recriar ou reeditar o que já fora.
         É estético, porque a edificação do presente, através de algo vivido no passado, é sempre um olhar diferente (do sujeito) que age sobre esse passado e torna único e novo o presente, afinal, segundo Adail Sobral no texto ético e estético: “cada ato é único em seu processar-se, ainda que compartilhe com todos os outros uma dada estrutura de conteúdo (...)”. Sobral ainda ratifica a importância do sujeito afirmando que: “... O que merece destaque é mais uma vez o papel do sujeito como agente”. (2005 a, p 107-108)
          Além disso, a construção da memória, também é ética no sentido que há nesse reeditar do passado no presente à postura do sujeito que pode ser variada e modificada durante o fluxo da memória (como ocorreu com a nossa personagem Markhein criação de Robert Louis Stevenson), mas que este sujeito é responsável pela natureza dos seus atos na história, ou seja, segundo Sobral (ainda mesmo texto ético e estético): “O ato responsível (...), ou ato ético, envolve o conteúdo do ato, o processo do ato, e, unindo-os, a valoração/avaliação do agente com respeito a seu próprio ato”. Assim, a postura, o posicionamento da personagem aludem a sua postura ética.( SOBRAL, 2005a, p. 104)
           É por essa razão que a memória do indivíduo é constituída de maneira processual uma vez que o conteúdo do fato e o processo em que ele ocorre gera a integração do todo vivenciado  ou seja, o ato em si e a percepção deste  proporciona uma unidade de sentido, como afirma  Bakhtin, que esse processo é concebido através dessa junção de ato- apreensão, é exatamente isto que vai significar isto é, que vai ser interiorizado pelo indivíduo.
           A esse respeito surge a questão: “só fica o que significa (...) ou talvez o contrário o que significa passa a ficar” (CASTELO BRANCO. 1994, p.11). Desse modo, a parte principal deste processo é o sujeito, pois nele reside o olhar estético de cada situação, uma vez que a memória possui um caráter lacunoso, fragmentário, no sentido de que o sujeito irá permanentemente preencher suas recordações, de tal maneira que a recuperação somente é efetuada naquelas lembranças que de alguma forma representaram, que de fato significaram, e que no presente contribuíram para a formação da consciência do indivíduo.
Afinal, o presente com seu caráter inacabado, considerado como ponto de partida e centro de orientação literário-ideológico, marca uma revolução grandiosa na consciência criadora do homem (BAKHTIN, 2002. P. 426)
É neste presente que recuperamos o passado, para poder construir um novo, a partir do universo significativo que fora recordado.

ESTAMOS DIANTE DE UM CRIMINOSO. SEU NOME É MARKHEIM. QUAL O SEU CRIME? ASSASSINATO. SIM, ELE MATOU UM CARA! MAS AINDA ASSIM ELE É ÉTICO? E O QUE A SUA MEMÓRIA TEM A VER COM A CONSTRUÇÃO ESTÉTICA?
                          A narrativa se inicia com Markheim em busca de um presente para uma dona, o negociante, dono da loja, traz um espelho para o rapaz, e....
              Markheim, de certo, achava que o negociante estava sendo irônico, será que não havia presente melhor? Na realidade, não era o preço ou o valor do presente que importavam, mas sim, o que ele representava e refletia. Assim, ao desenrolar deste acontecimento Markheim, no limiar de sua raiva, pega seu punhal e dá cabo da vida do negociante.
            Mesmo após a morte do inimigo, Markheim não conseguia se desprender do ocorrido, uma vez que por conta do que passara, ele se via inundado por uma série de sentimentos e sensações. No entanto, esses sentimentos, a priori são foram de arrependimento, no máximo houve um vislumbre de piedade por parte do assassino.
            A primeira viagem na memória decorreu, justamente, como uma tentativa do próprio Markheim de se arrepender do crime cometido, porém, ele manteve-se firme e não mudou o seu posicionamento. Eis o trecho:
 Lembrou-lhe logo um dia de feira em uma aldeia de pescadores: dia cinzento, vento forte, multidão na rua, som fanfarraras, rufo de tambores e a voz anasalada de um cantor popular, e um menino que andava para cá e para lá, perdido na multidão, e dividido entre o interesse e o temor, até que, (...) descobriu um barracão, e um grande painel pintado, com figuras desenhadas de maneira espantosa de cores fortes; Brownrigg com o aprendiz; os Mannig com o hóspede assassinado: Weare no abraço mortal de Thutell, e muitos outro assassinos notáveis. Tudo claro como em sonho, com o mesmo sentimento de repugnância, aqueles desenhos horríveis; sentia-se novamente tonto com o rufar dos tambores. Voltou-lhe a memória um compasso da música daquele dia; e com ela, pela primeira vez, sentiu mal-estar, ânsia de vômito, fraqueza repentina das juntas, que teve de esforçar-se por vencer. Achou mais prudente enfrentar esse exame a evitá-lo, olhando com mais audácia o rosto do morto e obrigando a mente a ver com clareza a natureza a gravidade do crime. (STEVENSON, 2004, p.95).

         Como se pode observar pelo fragmento acima, embora o Markheim do passado temesse a natureza criminosa o Markheim de hoje nem mesmo se arrependia por um crime de sua própria autoria como afirma o narrador: “com aquele mesmo coração que se horrorizava à primeira ideia do crime, agora o via perpetrado, sem bater as pálpebras. No máximo sentia um vislumbre de piedade (...). Mas de arrependimento nada”. (STEVENSON, 2004, p.95). Através disso, compreende-se com base no posicionamento do personagem que, embora ele tivesse atentado contra a moral (conjunto de regras rigidamente estabelecida pela sociedade) ao cometer um crime, ainda assim, ele agiu eticamente, pois que, ele foi responsível, diante do assassinato.
         A partir do encontro inusitado com um visitante (o diabo), que aqui chamaremos do outro, Markheim vai reconstruir tanto o seu posicionamento ético (em busca de se arrepender do crime ocorrido) como também o seu caráter e a sua visão de si. Afinal, Markheim é um sujeito e, como tal, não está pronto, ele volta o olhar para si, e modifica com auxilio da memória tudo aquilo que o outro (o diabo) via estampado na sua história e na sua formação humana. Esse novo olhar da personagem, que transforma o olhar do que o diabo via sobre ele, também é orientado pelos discursos (de outros) que pairam sobre sua mente, mas esses outros do passado foram os que contribuíram para que a personagem tivesse um posicionamento inverso do atual.
        Sobre as vozes do texto, Bakhtin nos chama atenção para o dialogismo, para a polifonia, para a multiplicidade de vozes a que o sujeito está submetida, e não poderia ser diferente com esta personagem, uma vez que, sobre a narrativa emergem inúmeras vozes que irão determinar todo o comportamento desta, desde sua tenra idade até sua vida adulta. Essas vozes cintilam pela mente da personagem e acabam formando esse sujeito que é complexo e dual. Vozes essas da sociedade, da religião, do “diabo”. Vozes que dividem Markheim entre o bem e o mal.
         Depois desse encontro, o criminoso passa por uma série de fatos que o vão modificando. Mas, sempre intermediado pela memória. Por isso, há o inacabamento, há a realidade em construção e tudo isso é marcado pelos fatos que lhe são ocorridos na memória, fazendo-o recordar de quando, era criança, de quando era inocente. Esse ocorrido se dá quando ele está no quarto da sua vítima tentando roubá-lo, pois, para ele, como cometer um crime e não tirar proveito disso? Assim, nesse instante em que está tentando abrir a caixa que pertencia ao negociante, ele ouve um som do outro lado da rua. É o som de um piano juntamente com crianças cantando. Imediatamente, pode depreender-se que ele se lembra de quando menino, da igreja, do padre. Vejamos:

Em certo momento, do outro lado da rua, as notas de um piano compuseram a música de um hino, e as vozes de muitas crianças entoaram a ária. Como era elevada aquela melodia! Como eram frescas aquelas vozes juvenis! Markheim escutava sorrindo, enquanto experimentava as chaves e tinha pensamentos e imagens de harmonia: meninos que se dirigiam à igreja (...), meninos nos campos tomando banho num riacho (...), outros saltando pipas no céu cheio de vento e de nuvens; e depois outra estrofe do hino, novamente a igreja (...) e a voz educada e aguda do padre, cuja lembrança trazia-lhe um sorriso aos lábios  (STEVENSON,2004,p.98)

Todas essas recordações, trouxeram a reflexão através dos discursos polifônicos, esses que vão ao encontro de tudo quanto Markheim estava sendo naquele momento e que, de certa forma, irão preenchendo-o e fazendo-o lembrar que a sua natureza não era aquela como ele mesmo diz no diálogo com o diabo que fora a sociedade a quem ele chama de “gigantes” que o corrompera:

- Conhece-me! Gritou Markheim. – quem pode conhecer-me? A minha vida nada mais é que disfarce ou cópia ruim de mim mesmo. Vivi para falsificar a minha natureza. (...) Ao senhor (...) supunha que fosse inteligente . pensava que – já que existe- ter-se-ia mostrado capaz de ler o coração dos homens. Entretanto, tem a intenção de julgar-me pelas minhas ações. Pense um pouco: as minhas ações! Nasci e vivi em um mundo de gigantes; gigantes arrastaram-me  pelos pulsos desde que saí do seio de minha mãe: os gigantes das circunstâncias. E o senhor quer julgar-me pelas minhas ações! Não consegue olhar para dentro de mim? (STEVENSON, 2004 p. 95)

          No trecho acima notamos que a personagem começa a se libertar das vozes que o transformaram até então, estas que fizeram com que seu self interior fosse maculado e corrompido, e no lugar destas, a personagem, por intermédio da memória, foi se constituindo partir do passado, e formando no presente, o que de fato ele é através das vozes da sua própria consciência.
          É importante ressaltar que toda vez que a personagem olha para o passado no presente, há uma postura estética no que tange o olhar diferenciado de Markheim. Uma vez que esse olhar é “único”, extraposto, é só dele, mas, que ainda assim foi construído pelos outros.
           Após tantas reflexões, chega o momento em que é necessário que a personagem se posicione novamente diante de tantos conflitos de vozes. Markheim precisa decidir entre a voz do outro (o diabo)  que neste momento o induz a cometer outro crime matando a moça que trabalhava para o negociante porque ela iria surpreender a personagem na cena do crime. Diz o diabo: “ – a moça - gritou!- como eu avisei, (...). Depois que ela entrar e fechar a porta, com a mesma habilidade que eliminou o negociante, você se livrará deste último perigo que surge em seu caminho(...)”. Este momento é o ponto alto para o qual nos propomos a entender esse sujeito na perspectiva da reconstrução, pois esse fato, serviria como uma verdadeira prova da mudança ou não de Markheim.Vejamos o que a personagem optou:

  (...) o passado desfilou-lhe lentamente diante dos olhos; contemplou-o como era feio e penoso, como um demônio, irregular como se fosse em razão do acaso, espetáculo de derrota. A vida, enquanto a revia, não o tentava mais; contudo avistava mais além um refúgio para a sua embarcação. Parou no corredor e olhou para dentro da loja, onde a candeia ainda ao lado do cadáver. O silêncio era estranho. Encheram-lhe a mente imagens do negociante, enquanto ali estava a contemplá-lo. Nesse momento a campainha soou de novo, com impaciente. No limiar da porta, ele disse à jovem, com um vago sorriso: - É melhor que chame a polícia. Matei seu patrão. (STEVENSON, 2004, p.104)

       Mais uma vez, a personagem não só assume um posicionamento ético, em virtude de que mudou e assumiu o seu posicionamento, como também estético, pois da mesma forma recriou as suas perspectivas no mundo e na vida. É bem verdade, a personagem era um assassino, mas não um monstro como ele mesmo provou.
       Diante de toda a reflexão tecida a respeito do comportamento da personagem, podemos notar que Bakhtin em suas teorias contribui de forma determinante para a maior compreensão do ato humano, e de sua imediata apreensão de como exatamente esse processo se desenvolve, visto que Bakhtin afirma que nós somos resultados de um complexo processo de caráter transformador, portanto interminável, por essa razão, compreendemos a relação existente na união, na justaposição de ética e estética em nossas ações e, principalmente, em nossas relações sociais que constituem a nossa consciência, a nossa memória.
             Portanto, a memória é parte integrante e principal na formação do nosso eu, ou seja, ela de uma forma ou de outra, nos serve de “crivo” para selecionar as partes mais importantes da nossa vida, isto é, a nossa consciência é alimentada pela absorção de situações vivenciadas por nós no decorrer da nossa história de vida.
            Em síntese, ao retornar a idéia de que “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”, compreende-se que a memória não pode ser restituída como uma fotografia, porém, “tudo passa tudo sempre passará”, mas, só o que é significativo vai ficar, uma vez que “tudo muda o tempo todo no mundo” e o ser humano acompanha isso tudo. Afinal, a vida é “como uma onda no mar”.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance. 4. ed. São Paulo: Annablume, 1998

BRANCO. Lúcia Castelo.  A traição de Penélope. 1 ed. São Paulo: Annablume, 1994

LLOSA. Mário Vargas. A verdade das mentiras. Ed. São Paulo: ARX, 2004

MOISÉS. Massaud. A criação literária. 19ª ed. São Paulo: Cultrix, 1967

SOBRAL, Adail. Ato/Atividade e Evento. In: BRAIT. Beth. Bakhtin: Conceitos- Chave. São Paulo: Contexto, 2005.

STEVENENSON. Robert Louis. Markheim. In: STEVENENSON. Robert Louis O médico e o monstro. São Paulo: Martin claret, 2000.


Nenhum comentário:

Postar um comentário