Igor Sacramento (ECO/UFRJ)
Texto produzido para CÍRCULO – RODAS DE CONVERSA 2010
Dentre os muitos termos cunhados por Mikhail Bakhtin em sua trajetória intelectual, talvez seja o de poética história que mais bem sintetize a sua teoria literária: uma teoria nas fronteiras, por entender que a literatura como fenômeno estético situa-se na fronteira com outras esferas da cultura e da sociedade. Esse tipo de estudo da poética foi sistematizado por Bakhtin em análises específicas e de fôlego: sobre Dostoiévski, mas também sobre Rabelais. Nos dois casos, considerou-se a historicidade dos fenômenos estéticos. Para Bakhtin, deve-se superar a tendência à descrição da dimensão lingüística da obra e passar a reconectá-la ao contexto sócio-cultural dos momentos de sua realização, bem como ao de suas variadas apropriações. É preciso estar atento à vocação externalista do discurso – “o discurso vive fora de si mesmo” (Bakhtin, 1998d, p.99) –, orientado e determinado pela exterioridade.
A poética histórica é, portanto, uma alternativa à poética formalista, limitada à análise do material lingüístico da arte (Bakhtin, 1998c). Bakhtin destaca o estudo do conteúdo estético como modo de evidenciar a atividade ético-cognitiva presente entre o homem e o mundo no conhecimento e no ato. No entanto, não se trata de um “realismo ingênuo” que toma o conteúdo como um fim em si mesmo e os meios técnicos materiais como meramente acessórios. E também não diz respeito ao desprezo dos formalistas em relação ao conteúdo, visto que a análise da utilização dos materiais e dos artifícios era o que importava (Stam, 1992, p.23). Para Bakhtin, a atividade estética é sempre uma reação particular ao contexto social, tendo, portanto, as funções de celebrar, ornar e evocar a “realidade preexistente do conhecimento e do ato” - a natureza e a humanidade social -, enriquecendo-as e completando-as (Bakhtin, 1998c, p.33). Isto, portanto, significa que a atividade estética não cria uma realidade inteiramente nova, mas cria uma realidade nova, na qual a realidade do conhecimento e do ato se apresenta admitida e reformulada. E, nesse sentido, a arte produz uma outra relação axiológica com o que já se tornou realidade para o conhecimento e para o ato. No ensaio a que me refiro, “O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária”, de 1924, a definição de conhecimento e ato aparece da seguinte forma: “O conhecimento e o ato são primordiais, isto é, eles criam seu objeto pela primeira vez: o conhecido não é reconhecido nem relembrado num novo sentido, mas é definido pela primeira vez; e o ato é vivo apenas pelo que ainda não existe: aqui tudo é novo desde o início, portanto não há novidade, tudo é ex origine e por isso mesmo sem originalidade” (Bakhtin, 1998c, p.34). Nesse sentido, seria da arte a originalidade de reapresentar de uma nova forma o que já sabemos e o que já lembramos, pois é assim que ela pode produzir sensações de imprevisto e de novidade, diferente da realidade preexistente do conhecimento e do ato.
A arte, então, é o evento da realidade: “a composição axiológica da realidade vivida multilateralmente” (Bakhtin, 1998c, p.34). Nesse ponto, está evidente o entendimento de toda atividade estética como enunciação historicamente situada e, portanto, fundamentalmente dialógica. Afinal, somente um Adão mítico poderia ter desbravado o mundo com seu primeiro discurso, inaugurando o dizer num mundo do não-dito. Só ele poderia ter evitado as relações dialógicas em direção aos discursos de outrem. Todavia, isto jamais aconteceria com um discurso histórico concreto, que “não pode se estruturar de um único modo nem se dirigir a um único ponto” (Bakhtin, 1998b, p.102). Fica latente aqui uma importante diferenciação: entre o dialogismo constitutivo e o dialogismo mostrado. O dialogismo constitutivo designa a natureza dialógica de todo discurso, que não somente existe em relação a outros discursos, mas na incorporação da alteridade num determinado contexto histórico. Trata-se, portanto, do princípio constitutivo da linguagem, como o entende Bakhtin, para quem toda enunciação é dialógica. Ela é feita, em sua construção, de outras enunciações, especificamente orquestradas, ou melhor, assumindo uma forma arquitetônica particular. Isso não corresponde ao fato de que toda enunciação partir de conhecimento e ato prévios, mas que a previdade lhe constitui de modo específico e inerente, sem controle total do enunciador ou da materialidade do discurso. Já o dialogismo mostrado refere-se ao que é explicitamente mostrado como dialógico na linguagem, quando o dialogismo é conscientemente tomado como princípio estético ordenador de sentido (algo que, para Bakhtin, estaria muito mais bem resolvido no romance do que em outras formas literárias tendencialmente monológicas como a poesia).
A proposição de Bakhtin reconhece no formalismo a necessidade de se considerar a especificidade dos mecanismos textuais – a literatura como literatura (a literaturnost; em nossos termos, a literariedade). Diferentemente dos formalistas russos, para o nosso autor, essa consideração não corresponderia à dissociação desses mecanismos do conjunto de discursos – inclusive os da vida cotidiana – e muito menos dos processos sócio-culturais presentes num determinado regime de historicidade. Muito pelo contrário, entendendo que todo texto é contextualizado e que todo contexto é textualizado, Bakhtin ultrapassou – e aperfeiçoou – a poética formalista. A poética histórica formulada por Bakhtin evita “a dupla armadilha de um formalismo apocalíptico vazio e das versões deterministas do marxismo, onde a superestrutura artística simplesmente 'reflete' uma base econômica; em vez disso, ela propõe uma espécie de 'justaestrutura' de determinações mútuas e, em alguns aspectos, recíprocas” (Stam, 1993, p.152). A noção de justaestrutura enfatiza as ligações indissolúveis entre o simbólico e o material. Isso significa atentar para os fatos de que toda prática é simultaneamente material e simbólica e de que a unidade qualitativa do político, do econômico e do cultural se forma socialmente.
Se a poética histórica foi um modelo teórico para reconectar a atividade estética ao contexto ideológico concreto de sua existência, o conceito de cronotopo foi um dos mais eficazes operadores analíticos para tal objetivo. Elaborado num ensaio de 1937-1938 (com conclusão acrescentada em 1973), “Formas de tempo e de cronotopo no romance: ensaios de poética histórica”, o conceito firma o interesse de Mikhail Bakhtin em possibilitar análises concretas dos gêneros literários, percebendo tanto a vida impulsiva quanto a formação ideológica de cada gênero. O cronotopo não demanda uma análise transcendental, mas das formas da realidade mais imediata, não como abstração, mas como representações inscritas em específicas atividades sociais. Ele ainda observa a indissolubilidade da relação entre o espaço e o tempo, sendo este último definido como a quarta dimensão do primeiro (Bakhtin, 1998d, p.211). Nesse sentido, cada cronotopo realiza uma fusão específica dos índices temporais e espaciais em um todo inteligível, sensível e concreto. Nessa fusão, a definição temporal (naquele momento) é inseparável da definição espacial (naquele lugar).
Além disso, a concepção do cronotopo traz consigo uma concepção de homem e, assim, cada nova temporalidade-espacialidade corresponde a um novo homem. Ou seja, a análise do cronotopo permite identificar o ponto em que o tempo se articula com o espaço de modo a formarem uma unidade e, assim, configuram um modo específico – um gênero discursivo – de representação (ou melhor, de reassimilação) do humano na atividade estética. Sendo assim, a obra passará a produzir a realidade dentro de uma temporalidade própria não só à sua narrativa, mas ao contexto histórico (da produção, da circulação e da recepção artísticas). É por isso que se tem afirmado que o cronotopo não está contido nos enredos, mas torna determinados enredos possíveis (Morson e Emerson, 1990, p.369). Ou, nas palavras do próprio Bakhtin (1998d, p.355): “É no cronotopo que os nós do enredo são feitos e desfeitos. Pode-se dizer que a eles pertence o significado principal gerador do enredo”. Desse modo, o cronotopo assume o seu significado temático. Mas ele também possui um significado figurativo, dando ao tempo um caráter sensivelmente concreto: “no cronotopo, os acontecimentos do enredo se concretizam, ganham corpo e enchem-se de sangue” (Bakhtin, 1998d, p.355). Com isso, pode-se relatar, informar o fato, dando informações precisas sobre o lugar e o tempo da representação. É evidente aqui que o cronotopo é realista, não só no sentido do estilo artístico-literário firmado no século XIX, mas no de produzir efeito de real (como nos disse Roland Barthes) a partir do detalhamento, da precisão cronotópica, tornando a representação verossímil, um real provável (que se pode provar) e que, por isso mesmo, é, às vezes, mais realista que o próprio real. No entanto, como pondera Bakhtin, o acontecimento não se faz uma imagem, mas ele é um terreno substancial à imagem-demostração do acontecido. Ao fundir os indícios temporais e espaciais, concretizando o espaço no tempo em regiões definidas do espaço, cria a possibilidade de se construir imagens dos acontecimentos no cronotopo, sendo “o ponto principal de desenvolvimento de 'cenas' no romance” (Bakhtin, 1998d, p.355).[1]
O cronotopo funciona, portanto, como operador da assimilação do tempo e do espaço históricos pela literatura. E, também, ao mesmo tempo, possibilita restabelecer conexões da literatura com a história. Assim, uma das principais funções do cronotopo é estabelecer “zonas de contato” com a realidade cotidiana, ou seja, é propiciar um momento de encontro da realidade representada com a realidade que representa, ou nas palavras de Bakhtin, entre o tempo representado e o tempo que representa. Tais zonas são espaços de hibridização que fazem a literatura encontrar a história e a história, a literatura. Nesse sentido, a análise do cronotopo possibilita tanto, de modo mais restrito, a análise narrativa de obras literárias tomadas a partir de sua singularidade cronotópica (na curta duração, dos acontecimentos em constante transformação, para usar os termos de Ferdinand Braudel) quanto, de modo mais amplo, das estruturas genéricas mais estáveis, que tendem à invariabilidade e que perduram ao longo da história sendo assim reconhecidas como parte de um mesmo gênero (na longa duração, das estruturas “quase” imóveis das tendências profundas e vigentes na sociedade, nas instituições e nas mentalidades). Nesse sentido, o cronotopo é de natureza “bifocal”, já que pode ser usado como lupa reveladora do pormenor característico do texto único e como binóculo adequado para a visão distanciada (Holquist, 1990, p.113). Ou seja, embora o cronotopo se realize numa específica situação de comunicação, a sua realização está atrelada a uma longa tradição de fusões cronotópicas que configuram um gênero discursivo. Ele é, portanto, histórico e trans-histórico, pontual e transversal.
A partir disso, não é demais dizer que a mudança no caráter do herói na obra é uma imagem cronotopicamente constituída, bem como a própria imagem do autor que lá está implicada. Diante disso, pode-se afirmar que cronotopo e exotopia são conceitos complementares. Exotopia foi um conceito mais trabalhado por Bakhtin em “O ator e a personagem na atividade estética”, de 1920-1922. Assim como o cronotopo, também diz repeito à associação entre espaço e tempo na literatura e, mais precisamente, à “relação arquitetonicamente estável e dinamicamente viva do autor com a personagem” (Bakhtin, 2003, p.3). Tal relação ao mesmo tempo arquitetônica e dinâmica corresponde ao fato de as manifestações literárias se inscrevem num determinado gênero, cuja peculiaridade consiste em conservar o seu arcaísmo, as estruturas formais oriundas de tempos antigos (“arquitetonicamente estável”), graças à sua constante renovação (“dinamicamente viva”). Ou, como completa Bakhtin (2005, p.106): “O gênero é e não é o mesmo, é sempre novo e velho ao mesmo tempo. O gênero renasce e se renova em cada nova etapa do desenvolvimento da literatura e e em cada obra individual de um dado gênero”. Nesse sentido, a relação do autor com a personagem, além de ser interior à atividade estética, também é – e principalmente é – exterior. O conceito de exotopia permite verificar que “a consciência do autor é consciência de uma consciência”, pois abrange e conclui a consciência e o mundo da personagem, já que o autor não só enxerga e conhece tudo, mas enxerga e conhece mais (Bakhtin, 2003, p.11); e é com esse “excedente de visão” que se beneficia o autor para confirmar sua posição e um projeto estético-político. Para Bakhtin, a autoria pressupõe a exotopia. Pelo fato de o autor se colocar fora da obra, partindo de um ponto de observação externo aos eventos relatados, ele dialoga com a exterioridade observada para compreender aquilo que desconhecia e passa a conhecer. Desse modo, a construção do todo espacial, temporal e significante do herói se fundamenta na diferença entre o que é vivido pelo herói e o que é criado pelo autor.
Em termos mais gerais, trata-se, em suma, da visão que o outro não pode ter de si mesmo, mas que é necessária para o seu próprio acabamento. Ou seja, simplificando, apenas um outro pode nos dar acabamento, assim como somente nós podemos dar acabamento a um outro. Sendo assim, o conceito de exotopia permite notar que nós só podemos nos imaginar, nos enxergar, por inteiro sob o olhar de um outro. Dentro do princípio ontológico do dialogismo, nossa palavra está inexoravelmente constituída pela alteridade, não de forma mecânica e isolável, mas de modo indissolúvel e incontestável (contra o qual não se pode lutar; talvez este seja o totalitarismo da linguagem a que Barthes se refere em Aula). No campo da estética, a análise da exotopia possibilita – ou, pelo menos, intensifica – a observação da exterioridade constitutiva da produção discursiva em geral e da enunciação artística em particular: até mesmo quando falamos de algo que está nos ocorrendo neste momento, passamos a ser autores de uma personagem acabada de nós mesmos. Autor e personagem não ocupam o mesmo tempo e espaço; e o autor detém o poder – a posição privilegiada – de, num lugar fora do enunciado, conferir acabamento axiológico da personagem. Nesse sentido, é preciso apontar que, mesmo quando a consciência da personagem pareça se autonomizar da do autor, a consciência do autor é a consciência das consciências. Isso não significa dizer que haja uma equivalência total entre o autor do enunciado com o sujeito empírico, mas, fazendo mais uma vez um paralelo com Barthes (1990), que há um grão da voz do autor empírico no autor implicado na enunciação: uma singularidade que não se esgota completamente em análises de nenhuma espécie (estética, histórica, sociológico, filosófica, psicológica ou biológica), mas que se faz presente – se expressa e fica impressa – de algum modo nos enunciados. É o reconhecimento desse grão da voz que permite, ao fim e ao cabo, a assinatura e a distinção. Em termos bakhtinianos, trata-se de mais uma possibilidade de compreender a situacionalidade da enunciação num dado terreno social, demonstrando como determinado acabamento da personagem pelo autor se faz possível naquela precisa – e única – situação de comunicação e como está, ao mesmo tempo, inscrito na antiga tradição do gênero a que pertence.
Tendo tudo isso em mente, penso que as adaptações para as mídias audiovisuais de textos impressos, observando as formas específicas de cronotopo e de exotopia presentes nas obras audiovisuais e as rupturas e continuidades em relações as estruturas de significação próprias. Interessa-me menos cobrar a possibilidade de fidelidade de fato da adaptação à obra adaptada (“original” ,“autêntica” e “verdadeira”, para os mais aguerridos). Procuro considerar que toda adaptação é uma recriação, uma ressignificação, da obra original (geralmente um material literário verbal), dentro dos protocolos da mídia audiovisual em que se adapta e sob as demandas dos discursos, determinações, pressões e ideologias em voga, assim como das mediações de uma série de outros filtros: estilo de estúdio, moda ideológica, constrangimentos políticos e econômicos, predileções autorais, estrelas carismáticas, valores culturais, julgamentos de gosto, instâncias e práticas de reconhecimento e assim por diante (Stam, 2006, p.50).
Embora, a rigor, todo discurso seja uma adaptação, já que o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem, a adaptação não existe apenas pela necessidade de mostrar a sua origem, mas também pela sua inexorável e contextual novidade. Na adaptação, a originalidade (no sentido de procedência) e a novidade convivem de modo tenso e, às vezes, polêmico, por conta da reivindicação da manutenção do “espírito” da obra original. Para Stam (2008, p.20), mesmo que fosse possível desconsiderar o dinamismo dos vários processos sócio-discursivos atuantes na produção da adaptação, o próprio fato da “mudança de meio” (do verbal para o audiovisual) já faria “automaticamente” da adaptação uma outra, impossível de ser “fiel” à adaptada, mas estruturalmente transformada, ou melhor, transfigurada por atos inerentes à recriação.
Para análise das adaptações, considero fundamental duas noções: a de cronotopo e a de exotopia. Uma das estratégias mais comuns de adaptação é atualizar o texto adaptado situando a história com uma materialização visual do espaço e do tempo. o cronotopo pode facilitar uma análise comparativa de filmes enquadrados em um subgênero específico. Assim, enquanto alguns críticos estão preocupados com os desafios específicos da transferência de um texto literário para a tela, outros usam o cronotopo como um meio de estruturar a comparação de estruturas espaço-temporais em mutação entre filmes, isto é, dentro do mesmo meio. Curiosamente, as metodologias bakhtinianas não fizeram progressos substanciais no campo da adaptação literária como o fizeram nos estudos do cinema (COLLINGTON, 2009).
Como conceito, o cronotopo pode não apenas dar conta de uma mudança na estrutura tempo-espacial, mas também na representação dessa estrutura, em termos de duração e freqüência, além de nos permitir avaliar uma dada obra em termos da sua capacidade de se ajustar ou desviar do modelo genérico que estabelece o nosso horizonte de expectativas. O cronotopo também nos permite considerar as estruturas tempo-espaciais sobrepostas ou antagônicas em um único texto. Da mesma forma, uma abordagem bakhtiniana não recorreria à noção de fidelidade como medida do sucesso de uma adaptação, mas em vez disso permitiria uma análise sobre como as adaptações simultaneamente preservam e renovam os pressupostos ideológicos e as convenções genéricas dos textos-fonte. Nesse sentido, a adaptação é entendida como uma interação produtiva entre textos-fonte e textos-alvo, como um “processo dialógico em andamento” (COLLINGTON, 2009: 140).
Já em relação à exotopia, será possível observar as relações entre o autor e o herói entre o “original” e a “adaptação”. O conhecimento do outro, exige exotopia, isto é, um lugar exterior que permite que o outro veja do sujeito algo que ele próprio nunca poderá ver. O excedente de visão, que só o outro pode dar, é que vai completando o que é sempre inacabado no sujeito. É o próprio discurso que dá passagem a um hiato, a um intervalo vazio. Trata-se de um diálogo que não pertence nem a mim nem ao outro, mas precisamente a esse espaço exterior que é a característica mesma da relação do sujeito com a alteridade. O lugar de onde vejo, ouço e registro determina o que apreendo do outro. É justamente deste lugar singular e único que me responsabilizo pelo outro, que dou a minha assinatura. Enquanto na literatura a responsabilidade está associada ao escritor, no cinema ao diretor. Na televisão, as relações são mais complexas. Na teledramaturgia, está associada principalmente ao escritor. No telejornalismo, ao repórter, que na reportagem assume a função de diretor.
Com essa proposta, é possível mostrar como as reconfigurações na estrutura de significação da obra, engendradas pelos novos sistemas de produção, permitiram diferentes fusões dos indícios temporais e espaciais (cronotopo), novas “zonas de contato” com a realidade cotidiana e outras imagens do indivíduo? É possível, ainda considerar outro conceito bakhtiniano – o de exotopia –, para mostrar nas adaptações audiovisuais o tipo de acabamento axiológico que o autor confere ao herói está indissoluvelmente combinado à realidade espaço-temporal criada pela atividade estética e às relações sociais de um momento histórico específico?
Referências bibliográficas
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
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____. “O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária”. In: ____. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec, 1998c.
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BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1987.
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COLLINGTON, Tara. “Uma abordagem bakhtiniana para os Estudos da Adaptação”. In: ECO-Pós – Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Rio de Janeiro, vol.3, 2009.
HOLQUIST, Michael. Dialogism: Bakhtin and his world. Londres: Routlegde, 1990.
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MORSON, Gary Saul e EMERSON, Caryl. Mikhail Bakhtin: creation of a prosaics. Stanford: Stanford University Press, 1990.
STAM, Robert. A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da adaptação. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
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____. “Teoria e prática da adaptação: da fidelidade à intertextualidade”. In: Revista Ilha do Desterro – Revista de Língua Inglesa, Literatura em Inglês e Estudos Culturais. Florianópolis, nº 51, p.19-53, 2006.
[1] Aqui Bakhtin está textualmente abrindo a possibilidade não só para uma análise imagética do romance, mas para uma análise das imagens em movimento a partir de sua teoria do romance. Neste ponto se concentrá a segunda parte deste texto.
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