terça-feira, 21 de setembro de 2010

MÚSICA: DIALOGISMO E GÊNEROS DISCURSIVOS

Camila Cristina de Oliveira Alves

As artes quase sempre se configuram como atividades que nos levam à reflexão. Nelas encontram-se vozes sociais constituídas por grupos, cujos sujeitos partilham idéias e visões de mundo em comum. Nosso estudo traz consigo a proposta de investigar uma forma de expressão artística bastante peculiar no contexto de vida de muitos indivíduos, a musical.
A música a que nos referimos no presente trabalho está representada por dois gêneros; o Rap e o Repente, cujas manifestações refletem muito da cultura de tradição oral (nacional e/ou estrangeira), bem como uma possível relação com a literatura. Além disso, ambos os gêneros são expressos na forma do canto falado em suas construções composicionais.
A partir da proposta filosófica de Bakhtin e de estudos discursivos embasados nesse autor, nossa proposta é refletir sobre a identidade do rapper e do repentista, no que diz respeito à sua relação com o outro no campo das artes. Dessa forma, pretende-se fazer uma análise qualitativa com base nos estudos bakhtinianos aplicados à análise do discurso.
O pensamento filosófico de Bakhtin filia-se à tradição que considera que a linguagem é constituída pela diversidade; pela heterogeneidade; pelo vir a ser; o inacabamento; e o dialogismo, sendo esse último o conceito unificador de sua obra. As coordenadas que estão na base dessa concepção dialógica da linguagem são: a unicidade do ser e do evento; a relação eu/outro; e a dimensão axiológica. (FIORIN, 2008) Interessa particularmente ao nosso trabalho os conceitos de dialogismo e gênero que são definidos na obra de Bakhtin.
O conceito irradiador da reflexão bakhtiniana, o dialogismo “é a forma clássica da comunicação verbal” (BAKHTIN, 2003), sendo possível retomar toda e qualquer réplica por meio de uma posição responsiva. Contudo, o termo dialogismo, empregado na obra bakhtiniana, não se constitui apenas no sentido estrito do termo que se aplica à comunicação em voz alta, mas num sentido amplo; presente em “toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.” (BAKHTIN; VOLOSHINOV, 2006)

Como é recorrente e imprescindível, não somente nos estudos linguísticos, mas nas Ciências Humanas em geral, a reflexão bakhtiniana reúne sujeito, tempo e espaço – e o diálogo de forma modelar -, mas diferentemente de outras perspectivas, lhes conserva e revela a constituição histórica, social e cultural [...]
(MARCHEZAN, 2006, p.117)

Desse modo, importa muito a essa pesquisa o conceito acima, visto que os gêneros musicais nos quais nos concentramos partilham de um diálogo artístico e social, o que resulta numa familiaridade na constituição das canções, do ponto de vista melódico e também do linguístico. Ainda que cada gênero possua sua especificidade, podemos enxergar um discurso semelhante na voz dos enunciadores, vozes sociais que dialogam de maneira contratual.
Justamente para que se possa definir o que foi dito acima, - que cada gênero possui sua especificidade, apesar do que se encontra em comum em ambos – é que adotamos as reflexões sobre o gênero encontradas na obra de Bakhtin.
De acordo com o filósofo russo, “[...] nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo. Dispomos de um rico repertório de gêneros de discurso orais (e escritos).” Sendo assim, “cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso” (BAKHTIN, 2003, p.262, 282; grifo do autor).
Esses gêneros constituem-se de três elementos, - que para a nossa análise se fazem de extrema importância para que, por meio deles, apontemos especificidades e semelhanças nos gêneros musicais presentes nesta pesquisa – que são; o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional.
Bakhtin (2003), explica que um autor de uma dada obra artística revela a sua individualidade no estilo, na sua visão de mundo que lhe é própria, trazendo, por meio disso, sua marca de individualidade “que cria princípios interiores específicos que a separam de outras obras a ela vinculadas no processo de comunicação discursiva de um dado campo cultural: das obras dos predecessores nas quais o autor se baseia, de outras da mesma corrente, das obras correntes hostis combatidas pelo autor, etc.”.
Através dessa explanação, podemos analisar o trabalho artístico do qual falamos, tendo como base o estilo individual de cada artista, bem como o diálogo entre os gêneros.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003

______; VOLOSHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006

FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008

MARCHEZAN, R. C. Diálogo. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Cortez, 2006. p.115-130.

Nenhum comentário:

Postar um comentário