Por: Glaucia Maria dos Reis Silva Glaucia.mrs@hotmail.com
Universidade Federal de Juiz de Fora
Todos os dias abrimos nossos olhos e vemos que o ontem se foi e o hoje dilui-se entre os dedos de maneira tão rápida, fugaz. Na verdade o futuro é o lugar do homem.
Ivo de Camargo Júnior e Sidney de Paulo
Os nossos dias são projetados no amanhã. Vivemos o presente com a mente no futuro. Portanto, ao pensar o cinema junto com a educação, ele prende-se a vida e torna-se incerto, pois cada um desenvolve seu olhar e sua reflexão acerca das imagens vistas e projetadas.
Minha experiência em pesquisa se iniciou há seis meses quando, enquanto aluna de graduação do curso de pedagogia, entrei como bolsista CNPq para o grupo de estudo LIC[1]. A pesquisa em andamento “Computador-internet e cinema como instrumentos culturais de aprendizagem na formação de professores”[2], possui alguns subprojetos.
Acompanho o doutorando Sérgio Augusto Leal de Medeiros em seu subprojeto que tem por objetivo entender os modos pelos quais tem sido apropriadas e estudadas as relações entre o cinema e a educação no curso de Pedagogia e Licenciaturas da UFJF, construindo com seus alunos e professores uma experiência formativa com imagens fílmicas no ambiente educativo, visando compreender como se dá a fruição dessas peças fílmicas no processo de aprendizagem.
No grupo de pesquisa estamos lendo vários textos de Bakhtin ou sobre seus conceitos. Além disso foram realizadas algumas exibições de filmes relacionados a conceitos estudados. A partir de uma dessas exibições busquei compreender o filme iraniano “Dez” de Abbas Kiarostami como uma obra de arte e busquei nele elementos para as discussões dos conceitos bakhtinianos. Acredito que uma obra de arte é aquela que transmite uma mensagem para seu contemplador.
O filme “Dez” mostra dez diálogos que ocorrem dentro de um carro dando a idéia de que este é o local em que o homem contemporâneo passa a maior parte de seu tempo. Existem diversos tipos de pessoas e uma variedade sócio-cultural. Há a mãe, que é a motorista desse carro onde se passam os diálogos; um filho rebelde devido à separação dos pais; a irmã da motorista;uma senhora religiosa; uma jovem que fica desamparada pelo namorado; e ainda uma prostituta que fala algumas verdades para a motorista.
No filme, enquanto o diálogo ocorre, apenas um rosto é focalizado. Essa disposição da câmera torna o filme diferente dos quais estamos acostumados a ver. Enquanto a conversa acontece só vemos um personagem, desta forma somos levados a criar, a partir da voz, a imagem deste personagem que falta. Assim como mostra Adail Sobral,
O sujeito pode e deve, naturalmente, afastar-se de sua própria contingência o suficiente para ver a si mesmo nela, construir-se a si mesmo nela, a partir do concreto e do abstrato, do coletivo (o outro) e o individual (nunca subjetivo), do agir e do refletir sobre o agir, do que há de único em cada ato e do que há de comum a todos os atos (SOBRAL, 2008, p.118).
A partir do conceito de exotopia, do nosso excedente de visão, podemos nos ver dentro do carro (talvez no banco de traz) participando ativamente do diálogo, ou então, criando a imagem do outro personagem que não é identificado.
O filme é constituído por diversos sons que nos levam a perceber que o carro se encontra em um meio urbano. O carro representa um papel de cronotopo, pois de acordo com Amorim (2008, p.106) “é ali que o tempo da ação se escande e avança”. A relação tempo-espaço marca e identifica as formas de enunciação, constitui sujeitos e revela valores da sociedade em que ocorrem os discursos.
É formado por uma linguagem intencional, carregada de valores e ideologias que encontramos presentes nas cenas de discussão entre a mãe e o filho, entre a mulher e seu sofrimento pela perda do amor. A ideologia, segundo Bakhtin, é uma forma de representação da realidade. O ato artístico possibilita, portanto, a reconstrução da realidade ao seu modo, ao seu tempo e ao seu espaço.
Podemos pensar o papel da mulher perante a sociedade. A partir de diversos olhares, percebo as diferentes opiniões formadas. Cada pessoa que contempla uma obra possui suas próprias ideologias e seu excedente de visão. O que eu vejo complementa a visão do outro. Às vezes um aspecto ainda invisível para mim, se tornou visível através do olhar do outro.
REFERÊNCIA:
AMORIM, Marília. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: outros conceitos –chave. 1 ed. São Paulo : Contexto, 2008.
FREITAS, M. T. A. Computador-internet e cinema como instrumentos culturais de aprendizagem na formação de professores. 2010-2014. 57 f . Projeto de pesquisa-Grupo de pesquisa Linguagem, Interação e Conhecimento, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010.
JÚNIOR, Ivo Di Camargo. PAULO, Sidney de Paulo. Entrecruzando estéticas para tentar definir a linguagem cinematográfica. In: Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso. Arenas de Bakhtin – linguagem e vida. São Carlos: Pedro & João Editores, 2008.
KIAROSTAMI, Abbas. Dez. Irã, 2002. Drama,84 min.
SOBRAL,Adail. Ético e Estético - Na vida, na arte e na pesquisa em Ciências Humanas. In : BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave. 4 ed. São Paulo : Contexto,2008.
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