Wilza Karla Leão de Macedo
Este texto é fruto do trabalho que desenvolvo no mestrado de Letras: Linguagem e Representações (UESC-BA), o qual busca envolver o Parâmetro Curricular Nacional de Língua Portuguesa (PCN de LP), dois manuais didáticos (MD) e o gênero publicidade propaganda (GPP) contido nesses manuais, no propósito de investigar como o MD de apropria do GPP a fim de conferir-lhe a funcionalidade de divulgação cultural e não mais para o consumo.
Aqui, buscarei analisar as formas de dizer do MD quanto à ética e estética no GPP. Os manuais utilizados para análise são Português: linguagem (MD1), de Willian Cereja e Tereza Magalhães (1998) e Viva Português de Elizabeth Campos et al (2008). A priori, necessário se faz demarcar o que envolve a ética e a estética, tendo como base os construtos bakhtinianos.
Bakhtin (2010, p.96) diz que cada pessoa ocupa um lugar singular e irrepetível, logo, cada existir torna-se único. O ato ético refere-se a essa necessidade de ocupar o lugar singular e único no mundo, está diretamente ligado à realidade. Uma vez que ninguém vê o mundo como apenas o Eu vê, é obrigação do sujeito pensar e dizer, ser responsável por todos os momentos constituintes da sua vida, porquanto seus atos devem ser éticos. Em relação a isso, o autor diz que
cada um de meus pensamentos, com o seu conteúdo, é um ato singular responsável meu; é um dos atos de que se compõe a minha vida singular inteira como agir ininterrupto, porque a vida inteira na sua totalidade pode ser considerada como uma espécie de ato complexo: eu ajo com toda a minha vida, e cada ato singular e cada experiência que vivo são um momento do meu viver-agir (BAKHTIN, 2010, p.44).
A estética, uma das principais concepções bakhtinianas, envolve a representação do mundo do ponto de vista do sujeito; esse, numa posição exotópica, constrói o objeto estético. Assim, de acordo com GEGe (2009, p.38) “a estética aparece como acabamento do agir do sujeito. O ato estético é a valorização, a reflexão elaborada, portanto, com acabamento - e não necessariamente acabada - a cerca da ação ética realizada pelo sujeito.
As formas de dizer dos MDs em análise diante do GPP demarcaram uma valorização, uma reflexão elaborada com acabamento no que diz respeito à ação das empresas dos produtos anunciados. Enquanto o discurso das empresas é articulado no propósito de divulgação para o consumo, os MDs se apropriam desse discurso para divulgação cultural, considerando os recursos léxicos-gramaticais, contidos no GPP, para produção/recepção do sentido. Vejamos o primeiro anúncio selecionado para análise (A1- MD1, p. 30).

O discurso publicitário é constituído, em sua maioria, conforme a ética daqueles que encontram no poder e, no propósito de ter credibilidade, é elaborado de maneira estética. No A1, para garantir a veridictoriedade e camuflar os valores nele contidos, o anunciador atribui ao seu ato ético um acabamento estético: apresenta o produto de maneira singular, correspondente à ideia/interesse que só ele tem do lugar que ocupa.
Entretanto, a estética elaborada traz fórmulas cristalizadas no momento que apresenta o produto como “melhor” forma de “ficar falada”, ou seja, de obter sucesso. Com isso, o sujeito enunciador busca garantir sentido, reproduzir valores, manipular uma realidade a partir da representação conjucturada. Esse agir da empresa (sujeito) está ligado aos planos ético e estético uma vez que transfigura elementos a partir de uma obra exterior. A empresa, em seu agir no mundo, elabora seu objeto estético tendo em vista a composição (textualização), marcada pelo enunciado “Tem coisa melhor que ficar falada no bairro”, e a arquitetônica[1], ou seja, a criação do anúncio integrando num todo a linguagem verbal e não-verbal, instigando o interlocutor ao entendimento da sua intencionalidade.
Frente a isso, o MD1 elabora suas formas de dizer, demarcando reflexão posterior e exotópica da ética e estética no A1. Interpela o aluno a pensar na expressão “ficar falada”, em seu valor positivo ou negativo, bem como na duplicidade de sentidos (ambiguidade), considerando o todo integrado. O MD1 produz uma reflexão quanto ao sentido pretendido pelo anunciante, todavia, a estética elaborada para isso está ligada à composição, ao desenvolvimento de uma escrita que não venha provocar “falhas de comunicação”. A posição exotópica do MD1 frente ao A1 não instiga o sujeito aluno a uma contestação da veridictoriedade do anúncio, não conduz a um pensar na relação entre o A1 e o poder, na responsabilidade do dizer ético - estético do anúncio.
O postupok[2] do MD1, como um todo, caracteriza uma apropriação do GPP para divulgação cultural no sentido semântico e normativo, logo, suas formas de dizer pouco apresentam um perspectiva dialógica e polifônica, em essência. Ao atribuir ao outro seu excedente de visão, o MD1 limita a atitude responsiva do aluno, ou seja, o seu dever de responder, de dialogar, de assumir uma posição axiológica frente aos valores contidos nos anúncios. Logo, o MD1 pouco provoca uma consciência plural. Sua extra-localização, decerto, não é demarcada como uma cópia do pensamento do outro, entretanto, seu compromisso ético, posto “em roda”, declara que seu olhar sobre o GPP (co) responde a nuances ainda formais (normativas e gramaticais). Passando ao MD2, a análise parte do seguinte anúncio (A2 – MD2, p.91):

O MD2 considera que o anúncio traz como ato valorativo: o consumo consciente, impactos ambientais ligados à ação mercadológica e comercial, incentivo à organizações em defesa do meio ambiente, etc. Com isso, o MD2 desenvolve o sentido do “não – álibi no ser”. Para Bakhtin (2010, p.26) a unicidade e a insubstituibilidade estão ligadas à ideia no “não-álibi”; é o que “transforma a possibilidade vazia em ação responsável real”, dando “um rosto” para o evento de outra maneira. Assim como o A2, o MD2 diz que ninguém tem como escapar da sua responsabilidade de responder, provocando o sujeito-aluno a perceber que não deve haver um álibi por traz das suas atitudes humanas. Viabiliza o entendimento de que o consumo não pode ser dado, unicamente, pelo poder persuasivo das empresas anunciantes, mas que o sujeito deve responder aos confrontos de valores (ex) implícitos no GPP; provoca o aluno à percepção de uma realidade plurivocal (heteroglóssica) existente em nossa consciência.
Nesse sentido, o MD2 se apropria do GPP, de maneira geral, para divulgação cultural no sentido discursivo, dialógico, polifônico. Suas formas de dizer demarcam uma posição posterior e exotópica, da ética e da estética no GPP, que responde a uma ação questionadora, contestável quanto ao acabamento verictório do anúncio. Contudo, a ação exotópica do MD2 frente ao GPP provoca outra atitude por parte dos alunos. Estimula o outro a pensar no que está sendo dito, a trabalhar a palavra como fenômeno ideológico, vendo-a como ponte, elemento de mediação. O MD2 instiga o sujeito-aluno a vê no GPP uma imagem refletida ou refratada da realidade a partir de uma ética e de uma estética conjecturada em seus discursos.
Referências Bibliográficas
BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. [tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faroco] São Carlos: Pedro & João. Editores, 2010.
CAMPOS, Elizabeth (et al). Viva português. 8º ano [7ª série]. São Paulo: Ática, 2008
CEREJA, William R. MAGALHÃES, Thereza A. C. Português: linguagem. 7ª série. São Paulo: Atual, 1998.
GEGe, Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso. Palavras e contrapalavras: glossariando conceitos; categóricos e noções de Bakhtin. São Carlos: Pedro L. João Editores, 2009.
[1] “A articulação que constitui a composição da obra é definida a partir da potencia que é sua arquitetônica” (GEGe, 2009, p.39). Arquitetônica no sentido de um todo integrado.
[2] “Postupok é um ato de pensamento, de sentimento, de desejo, de fala, de ação, que é intencional, e que caracteriza a singularidade, a peculiaridade, o monograma de cada um, em sua unicidade, em sua impossibilidade de ser substituído, em seu dever responder, responsavelmente, a partir do lugar que ocupa, sem álibi e sem exceção” (BAKHTIN, 2010, p.10).
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