terça-feira, 21 de setembro de 2010

Contribuições Bakhtinianas para os estudos afasiológicos: uma perspectiva enunciativo-discursiva



Thalita Cristina Souza Cruz – IEL/ UNICAMP

            Apresentarei aquialgumas reflexões iniciais sobre a contribuição bakhtiniana para as pesquisas afasiológicas, realizadas no IEL/UNICAMP após os estudos de Novaes-Pinto (1999/2004), principalmente aqueles relativos a importância da subjetividade do sujeito, excluída nas pesquisas realizadas tradicionalmente e que foram resgatadas pela neurolinguística enunciativo-discursiva.
            Essas questões surgiram ao longo de minha pesquisas sobre o fenômeno das  parafasias - trocas de palavras ou de sons – e das observações realizadas em sessões do CCA – Centro de Convivência de Afásicos – com sujeitos afásicos. Através tanto da observação direta, como participante deste grupo, encontros, quanto de sessões vídeo gravadas, pude compreender a importância da situação dialógica e  da assertiva em se tomar o enunciado enquanto a unidade real da língua.
            Nesse sentido, percebi a necessidade de se retomar alguns conceitos bakhtinianos, para uma melhor compreensão do fenômeno das trocas, como os conceitos de querer-dizer, de enunciado, de acabamento e – como não poderia deixar de ser – de dialogia. A adoção destes conceitos, porém, me  levou  a repensar a noção de sujeito e o tratamento dado para suas particularidades nos estudos afasiológicos , o que me fez esbarrar com  a questão do ato e pensar e na ética.    
            Novaes-Pinto (1999; 2004), ao introduzir tais conceitos nos estudos das afasias aponta para o fato de Bakhtin não conceber a linguagem como um sistema fechado, que o falante apenas “acessa”. Para o autor,  os indivíduos trabalham sobre os recursos da língua – recursos estes que podem ser semântico/lexicais, gramaticais e discursivos.
            Segundo o autor, o enunciado é a unidade real da comunicação verbal. Para ele, categorias como palavra, oração ou frase são fictícias, abstrações que não correspondem à realidade. O enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, estritamente delimitada pela alternância dos sujeitos falantes e que termina por uma transferência da palavra ao outro. Para Bakhtin, o enunciado só emerge nas interações sociais, com os parceiros da comunicação verbal e, portanto, definido sempre em relação ao acabamento que é dado pelo outro, que delimita inclusive o seu tamanho. Os parceiros diretamente envolvidos em uma comunicação – conhecedores do contexto e dos enunciados anteriores – captam o querer dizer, o intuito discursivo do locutor, percebendo, desde as primeiras palavras do discurso, o todo do enunciado. Essa é sua concepção de acabamento.  Esses conceitos são produtivos para a análise dos dados de afasias porque são compatíveis com a concepção de linguagem que orienta os trabalhos realizados na Neurolingüística enunciativo discursiva.
            O conceito de ato tem origem muito antiga e sua definição ainda é fonte de infindáveis discussões filosóficas por sua complexidade. Tomemos aqui ato (atividade) como o que é repetível entre os diversos atos de um sujeito – entendendo este sujeito como um ser único e  constituído socialmente – e ato concreto aquilo que é único e irrepetível no enunciado de um sujeito.
            A partir desta definição, retomo uma das principais críticas feitas pela Neurolinguística enunciativo discursiva a literatura tradicional, ligada à metodologia de pesquisa – e mesmo aos objetivos que justificariam o uso desses métodos – onde o que está em evidência são os déficits, o que falta na linguagem do sujeito após o trauma, ignorando todo o trabalho linguístico realizado pelo sujeito na busca pela palavra desejada.
            As vertentes tradicionais nas neurociências utilizam-se de baterias de testes e de tarefas metalinguísticas para compreender o que foi afetado pelo episódio neurológico propondo, a partir das respostas dadas pelos sujeitos, os modelos de funcionamento linguístico/cognitivo e também modelos para as terapias. Segundo Coudry (1986/1989), subjacente a esta abordagem está uma  visão reduzida de linguagem, que deixa de lado aquilo que é mais importante: o sujeito e o uso efetivo da linguagem. Apesar de limitações que podem ocorrer com os traumas, os sujeitos criam estratégias para “driblar” suas dificuldades e se fazerem entender nos processos dialógicos reais. Em um destes testes, o Teste de Nomeação de Boston (TNB), a tarefa dada ao sujeito é a nomeação de determinado objeto – apresentado a ele através de um figura nem sempre clara – em um determinado tempo. A partir da pontuação apresentada pelo sujeito, características será determinado, não apenas o tipo de lesão que ele apresenta, como o tipo de terapia que deve ser realizado. 
            A esse respeito, podemos pensar na importância de se compreender as subjetividades constituintes o sujeito e a importância de se  levar em consideração suas experiências, nãos apenas as posteriores ao episódio neurológico, mas sua relação com a linguagem e com as coisas do mundo anteriores ao mesmo.
            Muitos desses sujeitos, quando observados em situações dialógicas, através de seus enunciados, conseguem alcançar seu querer-dizer, pois há um interlocutores real capaz de dar um acabamento ao seus discurso, um outro ser, que também é constituído de particularidades , e que  o refuta, o completa, tem para com ele uma atitude responsiva ativa.
            A partir desta reflexão, a questão que fica para mim é; como pensar estas questões sem pensar nos atos destes sujeitos, sem levar em consideração suas posições ante o mundo, sua históra de vida e mesmo sua relação com a língua? Penso que uma análise que leve em consideração essas questões deve ser feitas na interação real, através de enunciados reais, assumindo uma postura ética em relação ao outro.
            

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