Virginia Rubio Scola[1]
"Por isso, é necessário, evidentemente, assumir o ato não como um fato contemplado ou teoricamente pensado do exterior, mas assumindo do interior, na sua responsabilidade."
(Para uma filosofia do ato responsável, Bakhtin)
Apresentarei reflexões sobre a responsabilidade do ensino de língua na escola especificamente ao nível epistemológico. Os conhecimentos dos alunos ao entrar na faculdade das concepções de língua e linguagem são escassos segundo minha experiência como monitora da disciplina Linguística do primeiro ano da Licenciatura em Português na Universidade Nacional de Rosário, Argentina. Nesta disciplina os alunos se deparam com um mundo completamente novo com concepções que eles nunca tiveram contato antes. Estas concepções língua e linguagem, usadas na fala cotidiana, não podem ser definidas pelos alunos, ou são definidas como meros instrumentos para a comunicação. Isto dificulta muito a aula já que eles devem incorporar não somente essas noções, mas também noções da ordem das ciências humanas e da epistemologia. Nota-se que os alunos começam a faculdade com uma formação completamente positivista, onde as disciplinas são bem diferenciadas e somente existe UMA VERDADE mostrada pela CIÊNCIA. Geralmente confundem linguística com gramática e reduzem-na a uma lista de regras de como deve ser empregada a língua. Ademais isto gera grandes dificuldades para entender a matéria isto leva em alguns casos a desistir do curso.
Acho que o maior desafio de nossa disciplina junto com outra matéria “problemática do saber” ministradas no primeiro ano do curso é explicar que existe o mundo das ciências humanas e isto majoritariamente consiste em apresentar o problema da linguagem. Ou seja, uma pessoa que não faz uma formação em ciências humanas ou também não apresenta um interesse autodidata nessas matérias continua o resto de sua vida mantendo um pensamento positivista próprio da modernidade, completamente racional e antigo já que se tratam dos postulados cartesianos do século XVII.
Depois desta constatação parece ser que o pessoal formado em ciências humanas é possuidor de “um segredo”, um conhecimento que o resto da população desconhece. Um exemplo disto é quando me perguntam em que consiste meu TCC. Explico que se trata de uma comparação de teorias lingüísticas que predominam na Argentina e no Brasil. A maioria das pessoas não compreendem o fato de existirem diversas teorias sobre um mesmo objeto e que estas podem ser válidas segundo o ponto de vista no qual se considere a linguagem, e também não entendem o conceito de lingüístico nem de língua.
Acrescentando a estas considerações a leitura do livro “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, é preciso tomar uma atitude responsiva, como diz o próprio Bakhtin, e cumprir com a grande responsabilidade da divulgação da forma de pensamento dialógico fundado na alteridade completamente oposta à ensinada durante os doze anos de escola, de monologismo positivista.
Como já sabemos isto implicaria grandes dificuldades e por enquanto resulta quase impossível se implementar nas grades curriculares dos colégios pela grande tradição de positivismo acumulado e pelo disciplinamento, como diz Foucault, que significa pensar no monologismo. Simplesmente proponho começar pela aula de língua falando do que é Língua e Linguagem. Esta reflexão surgiu nas “Segundas Jornadas Internacionales de Adquisición y Enseñanza del Español como Primera y Segunda Lengua” organizadas na UNR onde se apresentou em uma das palestras esta grande necessidade. Por exemplo, nas aulas de biologia em um determinado momento fala-se do conceito de vida, nas aulas de física fala-se sobre as leis, métodos, mas nas aulas de língua não se fala do que é a língua do que representa para o ser humano. Conceito que como sabemos faz do homem ser homem e não outro ser, o que leva a ser o conceito fundamental para entender o homem.
Não pretendo que nas aulas de língua se faça filosofia da linguagem bakhtiniana, mas que se pode começar por uma reflexão sobre os conceitos de língua e linguagem através de perguntas aos alunos e por meio de uma simples apresentação das diferentes teorias que explicam estes conceitos. Tudo isto, não só com o objetivo de saber sobre este conceito básico para a educação, mas também uma reflexão epistemológica para entender que existem diferentes verdades, formas de pensar um mesmo objeto de estudo.
Quero salientar que o elemento principal da proposta consiste em mostrar as diferentes formas de verdades que não só aparecem na ciência, mas também se podem entender por meio da literatura, dos processos sociais, ou da proposta bakhtiniana de estudar o sujeito que fala com outro sujeito que fala parte de um grupo social integrado numa unicidade e situação social própria numa interrelação recíproca.
[1] Estudante de graduação da Licenciatura em português, Facultad de Humanidades y Artes, UNR, Argentina.
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