Kelsiane Manfio da Silva
Ao pensar em uma sociedade marcada por tantas desigualdades sociais, questiono o que nós enquanto cidadãos (éticos) estamos fazendo para tornar a sociedade mais justa? O que podemos fazer para contribuir socialmente para com o próximo? Em uma sociedade que só pensa em si mesma. E o que importa é a minha ascensão social e a minha felicidade.
Para responder essas indagações cito Bakhtin que nos diz que “ato ético refere-se ao processo, ao agir no mundo, à necessidade de ocupar o lugar singular e único no mundo, o que se liga diretamente à realidade”.
É desse processo de estar e agir no mundo é que “eu e o outro nos formamos socialmente. Isso não surge da nossa própria consciência, é algo que se consolida socialmente, através das interações, das palavras, dos signos. Constituímos-nos e nos transformamos sempre através do outro”.
Partindo desses pressupostos que nos formado socialmente, e que “a ética corresponde ao espaço de decisões cronotópicas no hic et nunc (agora e então) concretos do agir humano” é que teço a minha análise sobre ser ético em uma sociedade desigual e tomo como base a leitura reflexiva do poema O bicho de Manuel Bandeira.
O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Manuel Bandeira
É importante dizer que analisarei apenas o aspecto social que gira em torno desse poema que retrata a miséria humana.
A cena descrita nesse poema nos faz refletir como a fome, a miséria, humilha, isola o homem e faz com que ele perca a sua própria dignidade, assemelhando-o aos animais que agem pelo impulso em busca pela sobrevivência.
O poema inicia com a descrição de alguém que viu “ontem” a cena de alguém “catando comida”. O advérbio “ontem” revela a nós leitores como algo “presente” que é vivido por milhares brasileiros que buscam seus alimentos nos restos dos lixos dos outros.
O autor vai compondo o texto com frases de verbos de ação “catando”, “achava”, “examinava”, “cheirava”, e “engolia” que mostram a degradação humana, aproximando o homem das ações dos animais irracionais.
Esse processo de animalização é também comprovado pela definição do homem como um bicho no início do poema.
No término do texto o poeta se utiliza do vocativo “O bicho, meu Deus, era um homem” para demonstrar a sua indignação de como o ser humano pode chegar numa situação tão lastimável “catar comida entre detritos” como um animal para sobreviver.
Bandeira através dessa denúncia social faz um diálogo entre a realidade poética e o mundo real que liga o individual ao universal.
Para fechar meus questionamentos torno a perguntar o que estamos fazendo pelo outro?
Penso que talvez muito pouco porque presenciamos todos os dias a essa cena descrita no poema de pessoas que passam fome, e não fazemos nada para reverter essa situação. Assistimos a toda essa falta de dignidade humana de forma pacata, omissa e sem compromisso. Nos isolamos no nosso egoísmo e esquecemos que somos um ser social e que só existimos a partir da minha interação social com o outro E como nos afirma Bakhtin “o mais fundamental compromisso humano é o ato de pensar, que se põe como uma necessidade ética. O sujeito é responsável por todos os momentos constituintes de sua vida porque seus atos são éticos. Em outras palavras, a ética refere-se ao ato de viver uma vida singular, de arriscar, de ousar, de comprometer-se, de assinar responsavelmente seu ponto de vista e seu viver; isso é que é responsabilidade e responsividade imediata do sujeito, parte da vida, portanto”.
Enfim, precisamos sair do nosso comodismo e agirmos para tornar o amanhã do outro melhor.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 1995.
glossariandobakhtin.blogspot.com/2010/08/etica.html- Acesso em: 19 set.2010
SOBRAL, Adail. Ético e Estético Na vida, na arte e na pesquisa em Ciências Humanas. In : BRAIT, Beth. Bakhtin: Conceitos-Chaves.São Paulo: Contexto. 2005.
www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/.../0109.html - Acesso: 18 set.2010
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