“Quando contemplo no todo um homem situado fora e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem.” (BAKHTIN, 2003, P 21)
Para Bakhtin, o sujeito, aquele que se manifesta no mundo “empírico axiológico” é estritamente social, pois é formado dentro da rede social que é a linguagem. É importante destacar o caráter social do sujeito bakhtiniano para que se possa pensar a questão da materialidade do signo ideológico, para pensar, também, como a consciência adquire forma e existência, esta mesma consciência que participa do processo de transformação da linguagem dentro de um quadro sincrônico e que se forma através do processo de significação do meio social. Por isso que, para Bakhtin, a linguagem não é algo que surge nem do psiquismo individual nem de um sistema com leis imanentes e específicas, mas, sim, de uma inter-relação entre consciência individual e social no processo de criação de signos ideológicos, sendo a primeira considerada por Bakhtin como um fato sócio-ideológico e a segunda tendo como única “definição objetiva” possível um fato de ordem sociológica. Dessa forma, a consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais.
Esclarecido que a consciência nasce do exercício semiótico da mente humana e que o meio social como produto dessa atividade semiótica (ou seja, de significação) pode ser entendido como palco das ações humanas, das encenações dos sujeitos, podemos passar para outra questão, a da interação verbal. Para Bakhtin, a interação verbal é a realidade fundamental da língua. O que isso quer dizer? Significa que sem o processo interativo da linguagem esta não existiria, ou melhor, que ela só existe através e na interação. Esse fato nos mostra a preocupação e a importância que Bakhtin atribui ao “outro” nesse processo de interação. O outro que me constitui, o outro que me reprime, que me elogia, que sente afeto por mim, contribui na constituição de minha imagem externa. A importância que Bakhtin lega ao outro na constituição ética, estética e cognitiva de determinado sujeito pode ser visto nesse trecho:
Esse amor de mãe e de outras pessoas, que desde a infância forma o homem de fora ao longo de toda a sua vida, dá consistência ao seu corpo interior. É verdade que não lhe proporciona uma imagem intuitivamente evidente do seu valor externo mas lhe faculta um valor potencial desse corpo, valor que só pode ser realizado por outra pessoa. (BAKHTIN, 2003, P 47)
Para Bakhtin, a inter-relação eu - outro é irreversível. Sendo Assim, esse processo dialógico de constituição dos sujeitos sociais pode ser entendido como um “axioma da teoria bakhtiniana”.[2]
O mundo é a linguagem, o homem esta na linguagem e o homem é o próprio pensamento. Como podemos compreender tal pensamento bakhtiniano? Se podemos comprovar que o mundo, ou seja, a realidade empírica axiológica, é construído pela linguagem, por um processo de semiotização, e que nos é impossível a sua experienciação sem a intervenção da linguagem, podemos concluir que o mundo é a linguagem, no sentido de que o compreendemos e nos situamos nele através da linguagem. Assim sendo, o homem esta na linguagem, ou seja, o homem esta no mundo, ele vivencia-o ativamente em sua autoconsciência, que é formada pelo processo de significação que lhe concede forma e existência. Além disso, o homem é o pensamento se lembrarmos que a identidade, ou seja, o ethos, a imagem de si que o sujeito manifesta em suas atividades discursivas (o que também o insere na linguagem) e em seus hábitos no cotidiano, são reflexos de um grupo organizado bem maior que constitui e legitima aquela identidade manifestada pelo sujeito. O homem é o próprio pensamento na medida em que ele é o constituidor-constituido do e pelo mundo, ou seja, da e pela linguagem. Daí a importância do outro na constituição de minha imagem externa.
Bakhtin, em sua Estética da criação verbal, fala do “excedente da visão estética”, ou seja, a forma privilegiada de se ver o outro e das particularidades que consigo observar nele e que ele, com sua visão limitada, não consegue enxergá-las. Quando andamos na rua, percebemos claramente que nos relacionamos com os outros, na medida em que fazemos juízos sobre essas pessoas, na medida em que as enxergamos no mundo e que nos reconhecemos através das diferenças ou semelhanças que nos ligam enquanto comunidade, nação, partidários políticos, etc. Para Bakhtin, este excedente da visão estética que tenho sobre o outro e que é sustentado pela insubstitubilidade de meu lugar no mundo faz parte do próprio movimento da atividade estética. Bakhtin nos da o exemplo do sofredor (BAKHTIN, 2003, p. 24), este que em seu sofrimento, quando vivenciado por mim, me motiva a uma ação, ou seja, me persuade pela emoção contida em seu discurso, uma ação que pode resultar em um consolo, uma ajuda, etc. Para Bakhtin, a compenetração deve ser seguida de um retorno a mim mesmo, à minha posição privilegiada, pois “só deste lugar o material da compenetração pode ser assimilado em termos éticos, cognitivos ou estéticos” (BAKHTIN, 2003, p24). Sem esse retorno ocorreria o efeito patêmico sobre mim à partir do que pensa o outro. Desta forma, teríamos o seguinte esquema:
![](file:///C:/Users/allan/AppData/Local/Temp/msohtmlclip1/01/clip_image002.jpg)
Onde a posição insubstituível que eu tenho no mundo me proporciona um excedente da visão estética que tenho sobre o outro. Porém a atividade estética não se da apenas na compenetração que faço no outro, mas, sim, no exercício de retornar a mim mesmo fora do outro e dar acabamento ao material da compenetração.
O que procurei mostrar neste breve texto é como o sujeito recebe várias definições dentro das diversas correntes do conhecimento. A meu ver, Bakhtin é o que mais se dedica em não deixá-lo apenas como produto do ato comunicativo, mas também como produtor, pois, depois de constituído dentro do mundo, esse sujeito vai ressignificar o mundo de acordo com os fatores históricos e sociais que o envolvem. Meu intuito, assim, é mostrar que esse sujeito bakhtiniano é responsável pelos seus atos, na medida em que exerce ativamente uma atividade estética, ética e cognitiva sobre o outro, devido a sua posição privilegiada em relação ao mesmo, e que o produto dessa atividade entrará para a grande rede da linguagem e dos discursos, formando a consciência de outros sujeitos que habitarão o mundo e o ressignificarão. Trata-se de um movimento dialógico.
REFERÊNCIAS:
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4°ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M; VOLOCHINOV. Marxismo e filosofia da linguagem. 11° Ed. Editora Hucitec, São Paulo, 2004.
FLORES, V. N.; TEIXEIRA, M. Enunciação, dialogismo, intersubjetividade: um estudo sobre Bakhtin e Benveniste. In BAKHTINIANA, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 143-164, 2° sem. 2009”.
[1] Aluno do Curso de Letras da Universidade Federal de Ouro Preto e bolsista do CNPQ com um projeto de pesquisa sobre a Análise do Discurso e Argumentação junto ao Prf° Melliandro Mendes Galinari (UFOP)
[2] Sobre o axioma da teoria bakhtiniana procurar em “FLORES, V. N.; TEIXEIRA, M. Enunciação, dialogismo, intersubjetividade: um estudo sobre Bakhtin e Benveniste. In BAKHTINIANA, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 143-164, 2° sem. 2009”.
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