terça-feira, 21 de setembro de 2010

Algumas concepções do Círculo de Bakhtin e sua importância para os estudos sobre a linguagem humana.


Alessandra Jacqueline Vieira 

            Este trabalho tem como objetivo abordar algumas concepções do Círculo de Bakhtin e de sua importância para nossos estudos sobre a linguagem humana. Dessa forma, iremos tratar de alguns pontos gerais que acreditamos ser importantes para o entendimento de conceitos-chave em sua teoria e que podem servir como ponto de partida para as discussões.
            Segundo Sobral (2010),
[...] uma das principais bases das idéias do Círculo sobre as categorias do teórico, do ético e do estético é o dialogismo generalizado como base da criação de sentidos nas várias esferas de atividade, incidindo fortemente sobre o conceito de sujeito (SOBRAL, 2010, p. 105).

            Assim, podemos inferir que o tema do dialogismo é fundamental na teoria do autor e a partir dele podemos chegar a determinadas concepções que são pilares fundamentais em nossos estudos[1]. Ao voltarmos nosso olhar para os conceitos formulados pelo Círculo, podemos aplicar sua teoria a diversos campos de estudos que tratam da linguagem, por exemplo, nos estudo sobre aquisição da linguagem da criança.
            Partindo da concepção de que a língua não poderia ser vista como um sistema abstrato ou individual, formulados por Saussure e Humboldt, respectivamente, Bakhtin[2] postula que língua só pode ser concebida no interior do processo comunicacional.  Dessa forma, ele irá afirmar que as categorias de sistema, como palavra e frase, não podem ser compreendidas fora da comunicação verbal efetiva, ou seja, elas só são compreendidas no interior do todo conversacional. Para o autor, a linguagem é um objeto social e a comunicação só é possível por meio de enunciados completos, ou seja, por enunciados passíveis de respostas, em um determinado contexto discursivo. Além disso, para Bakhtin (2007), enunciado tem autor e destinatário, ao contrário das unidades significantes da língua que não são de ninguém e não se dirigem a ninguém (são impessoais).
            Para o autor, nossas palavras estão carregadas das palavras do outro, dos já ditos, das vozes sociais e culturais que permeiam nossos discursos. Daí se segue que nenhum discurso é original, pois nossas palavras são baseadas nas ideias do outro, que formulamos, revisamos, modificamos de acordo com o contexto de enunciação. “As palavras dos outros introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos” (BAKHTIN, 1997: 314), e é nesse sentido que podemos falar da subjetividade, pois é na maneira como selecionamos nossos enunciados que demonstramos os indícios de nossa subjetividade.
            Segundo Jobim e Souza,
A categoria básica da concepção da linguagem em Bakhtin é a interação verbal cuja realidade fundamental é seu caráter dialógico. Para ele, toda enunciação é um diálogo; faz parte de um processo de comunicação ininterrupto. Não há enunciado isolado, todo enunciado pressupõe aqueles que o antecederam e todos os que o sucederão: um enunciado é apenas um elo de uma cadeia, só podendo ser compreendido no interior dessa cadeia (JOBIM E SOUZA, 2000, p. 99).
Quando queremos dizer algo, não selecionamos palavra por palavra para criar o sentido, mas pensamos no todo de nosso intuito discursivo, em tudo o que queremos dizer, para, então, escolhermos a palavra que nos dará o sentido almejado. 
Nós, seres humanos, não temos relações diretas, não mediadas, com a realidade. Todas as nossas relações com nossas condições de existência - com nosso ambiente natural e contextos sociais - só ocorrem semioticamente mediadas. Vivemos, de fato, num mundo de linguagens, signos e significações (FARACO, 2009, p. 49).

            Quando nos comunicamos, o fazemos por meio dos gêneros do discurso. Desde a infância nós apreendemos a nos comunicar por meio desses gêneros, ou seja, nossa linguagem emerge e se desenvolve enraizada nos gêneros de nossas esferas sociais.
Os enunciados, ao mesmo tempo que respondem ao já dito (“não há uma palavra que seja a primeira ou a última”), provocam continuamente as mais diversas respostas (adesões, recusas, aplausos incondicionais, críticas, ironias, concordâncias e discordâncias, revalorizações etc –“não há limites para o contexto dialógico). O universo da cultura é intrinsecamente responsivo, ele se move como se fosse um grande diálogo (FARACO, 2009, p. 58).

            Sendo assim, podemos inferir, como nos afirma Bakhtin, que, ao se comunicar os falantes e ouvintes não têm papéis fixos, ao contrário, há nas trocas conversacionais uma relação de troca em se pressupõe a fala do outro e se reage aos enunciados transmitidos, gerando, assim, uma atitude responsiva ativa. Dessa forma, a língua deve ser analisada considerando suas formas de combinação e seu caráter dialógico.
            Partindo da concepção de dialogismo, Sobral faz um resumo do conceito e afirma que
O dialogismo se faz presente nas obras do Círculo de três maneiras distintas, aqui apresentadas da mais geral para a mais particular:
a)             como princípio geral do agir – só se age em relação de contraste com relação a outros atos de outros sujeitos: o vir-a-ser, do indivíduo e do sentido, está fundado na diferença;
b)            como princípio da produção dos enunciados/discursos, que advêm de “diálogos” retrospectivos e prospectivos com outros enunciados/discursos;
c)             como forma específica de composição de enunciados/discursos, opondo-se nesse caso à forma de composição monológica, embora nenhum enunciado/discurso seja constitutivamente monológico nas duas outras acepções do conceito (SOBRAL, 2010, p.106)

            Para Sobral, devemos compreender o sujeito dentro de sua instância social e histórica (2005, p. 106). Sendo assim, o autor nos diz que
[...]  todo sujeito é constituído, forma sua identidade, sempre em processo, nas relações que mantém desde o nascimento com outros sujeitos, algo que é inclusive a base da concepção de cultura de Bakhtin

            Partindo dessa concepção de sujeito que não pode ser visto fora da realidade social e histórica, Sobral irá nos mostrar o que Bakhtin entende por ato ético:

[...] a filosofia do ato ético (ou ato “responsível” ou ato responsável) de Bakhtin é, em termos gerais, uma proposta de estudo do agir humano no mundo concreto, mundo social e histórico e, portanto, sujeito a mudanças, não apenas em termos de seu aspecto material, mas das maneiras de os seres humanos o conceberem simbolicamente, isto é, de o representarem por meio de alguma linguagem, e de agirem nesses termos em circunstâncias específicas. O empreendimento bakhtiniano sobre essa questão consiste em tentar mostrar como generalizar acerca das singularidades que são os atos sem perder de vista sua singularidade nem a generalidade! (SOBRAL, 2008, p.224).

            A partir de todo o exposto, notamos que Bakhtin concebe a linguagem no interior das esferas conversacionais e na relação entre os sujeitos. Ao analisarmos todas as concepções pelo Círculo formuladas, verificamos sua importância e sua magnífica contribuição para os estudos sobre língua e linguagem nas pesquisas atuais. Suas acepções a respeito do tema nos são tão relevantes e nos fazem refletir sobre sua contribuição para nossos estudos e, também, para nossa vida, como sujeito “sem álibi”.
            Salientamos, novamente, que nosso intuito foi apenas trazer à luz algumas concepções trabalhadas no Círculo e contribuir, ainda que de forma singela, com as discussões no evento sobre o Círculo. As contribuições do Círculo para os estudos sobre aquisição da linguagem são amplas e de extrema relevância, pois a partir delas pudemos repensar as pesquisas e a metodologia até então utilizadas. Dialogismo, enunciação, interação, sujeito, individualidade são algumas de suas grandes contribuições para nossos estudos.
            Mas, além das questões acadêmicas, podemos destacar as contribuições do autor para nossa vida, pois, como nos afirma Sobral (2010, p. 117),
Para concluir, na vida, na arte, na pesquisa, o ato de conhecer, o posicionamento ético diante do mundo como um todo e a criação de uma arquitetônica, uma unidade coesa e dotada de sentido são as faces de um Jano tríplice, se assim se pode dizer, um Jano cujo ponto de ligação, de formação, é a “assinatura”, sem álibi, do sujeito agente.

Referências Bibliográficas
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

BAKHTIN/VOLOCHÍNOV. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara F. Vieira. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 1995.

BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco. São Paulo: Pedro & João Editores , 2010, 155 pag.

JOBIM E SOUZA, S. Infância e linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. Campinas: Papirus, 1994.

FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: As ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

SOBRAL, A. O Ato “Responsável”, ou Ato Ético, em Bakhtin, e a Centralidade do Agente. Signum: Estudos Linguisticos, Londrina, n. 11/1, p. 219-235, jul. 2008.

SOBRAL, Adail. Ético e estético Na vida e na pesquisa em Ciências Humanas. In: BRAIT, B. (Org). Bakhtin: conceitos-chave. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2010, p.103.




[1] Cabe ressaltar que nosso principal objeto investigativo é aquisição da linguagem pela criança.
[2] Quando nos referimos a Bakhtin, queremos dizer também os autores participantes do Círculo.

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