sábado, 9 de outubro de 2010

As relações dialógicas constituintes do sujeito



Renata Pucci[1]

Limitarei-me aqui em discorrer de maneira deveras breve sobre pontos que permeiam a idéia de um sujeito dialógico dentro do referencial teórico de Bakhtin e de seu círculo, são parâmetros que circundam minha pesquisa e minha prática, uma vez que creio que nossos passos científicos não podem ser dissociados de nossos passos na vida.
Parto de uma deferência de Sobral (2008, p. 103) ao valioso legado construído por Bakhtin e seu círculo que nos diz que “uma das principais bases das idéias do círculo sobre as categorias do teórico, do ético e do estético é o dialogismo generalizado como base da criação de sentidos nas várias esferas de atividade, incidindo fortemente sobre o conceito de sujeito.”
O sujeito, o é, para Bakhtin, dialógico desde o inicio. Somos nós, que adentramos no processo de humanização quando adentramos na cultura, produzimos e ao produzirmos (coerente com princípios marxista, perscrutado por Bakhtin) nos constituímos. Bakhtin entende que o pensamento se forma paulatinamente, apoiando-se no sistema ideológico que por sua vez se fez através de signos ideológicos anteriormente assimilados. A ideologia, a saber, tudo que envolva cultura (a ciência, a filosofia, a arte, a política, a religião, o direito, a ética, etc.) é viabilizada pelo domínio dos signos, é expressa pela palavra ou outro signo, “tudo que é ideológico possui um valor semiótico” (Bakhtin, 2006b, p.30). Anuncia-se assim a natureza social da consciência, que surge e edifica-se por meio da encarnação material de signos, e tem no processo da interação social sua fonte, onde banha-se do conteúdo ideológico. Em palavras de Bakhtin, “tanto a cultura como um todo quanto cada pensamento em particular de um ato ou ação viva, estão integrados no contexto único, individual do pensamento real como evento.” (2003, p. 53)
Nas concepções do Círculo são equivocadas as análises que compreendem a dissociação entre cultura e vida, exterior e interior, ideologia e psiquismo, intelecto e afeto, mundo inteligível e sensível, Sobral (2008, p. 105) explica:
“O empreendimento Bakhtiniano consiste em propor que há entre o particular e o geral, o prático e o teórico, a vida e a arte uma relação de interconstituição dialógica que não privilegia nenhum desses termos, mas os integra na produção de atos, de enunciados de obras de arte, etc.”
Chamar o sujeito de dialógico na acepção bakhtiniana, implica também em dizer que este se constitui discursivamente, quando penetra na cadeia da interação verbal, quando assimila vozes, fazendo suas as palavras proferidas pelos lábios de outrem, de tantas outras vozes sociais que são absorvidas no curso de suas relações na vida.
A palavra do outro e a minha palavra são expressivas dentro de um enunciado concreto, parte de uma realidade concreta, de uma situação real, de um círculo determinado, de determinada época, já que “em cada época e em todos os campos da vida e da atividade existem determinadas tradições, expressas e conservadas [...] em obras, enunciados, sentenças, etc.” (Bakhtin, 2006a, p. 194), e por conta disto, Bakhtin reitera que nossa experiência discursiva individual se desenvolve na interação constante com o enunciado individual dos outros.
Neste esteio, Bahktin afirma que os discursos dos outros não apenas emergem em nossos próprios discursos, mas também é a eles que respondemos, com os quais discutimos, concordamos ou discordamos: “Uma visão de mundo, uma corrente, um ponto de vista, uma opinião sempre tem expressão verbalizada. Tudo isso é discurso do outro (em forma pessoal ou impessoal), e este não pode deixar de refletir-se no enunciado. O enunciado está voltado não só para seu objeto, mas também para os discursos dos outros sobre ele.” (BAKHTIN, 2006b:300)
Relações dialógicas são, pois, para o sujeito, fundantes de sua constituição, de sua atuação frente a vida, e este fenômeno, em lógica com a construção teórica de Bakhtin, só pode ser estudado através de uma percepção monista do homem, não fagmentada. Assim, a dialética, a tensão dos diferentes elementos que constituem a fluída e situada identidade de cada um (Sobral, 2008, p. 105) só pode ser realmente observada em sua unidade.
Ante tão complexo desafio, o debate, a conversa, o consenso, o desacordo, enfim, o diálogo, no sentido bakhtiniano deste, é sempre mais um passo elucidativo na compreensão do humano.


Bibliografia:

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2006a.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2006b.

BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato. Tradução de Carlos Alberto e Cristovão Tezza da edição americana Toward a philosophy of the act. Austin: University of Texas Press, 1993.

SOBRAL, A. Ético e estético. Na vida, na arte e na pesquisa em Ciências Humanas. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2008, p. 103- 122.
                                                                                                        


[1] Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação da UNIMEP.

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