segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O descobrimento da estética numa língua visual espacial


Suammy Priscila Rodrigues Leite Cordeiro[1]

O leitor que inicia suas leituras acerca de Bakhtin e de seus ensinamentos percebe além da complexidade dos seus pensamentos a diversidade de teorias relevantes e reflexivas que o mesmo vem alçar, e compreende-se que tais leituras passam de alimentação primária como leite, mas vem a ser um alimento sólido e de complicada digestão, mas de prazerosa degustação.
Buscamos então compreender o que vem a ser a estética no que diz respeito à Língua de Sinais, uma língua de modalidade visual espacial, que tem como meio comunicador as mãos ao invés da língua (órgão físico), mas que traz em seu discurso toda complexidade de uma Língua formal acobertada de sua gramática, e que carrega em si toda uma estrutura lingüística ligada por um elo às vivências, cultura, crenças, valores éticos e morais dos usuários maternos da língua.
O emprego de cada expressão verbal e não verbal impregna recursos lingüísticos ainda pouco estudados e compreendidos pelos usuários da língua, e o seu signo possui atributos, ainda não uniformes – os sinais.
Assim como na língua falada, em que o locutor transmite a sua mensagem e a mesma pode ser interpretada de várias maneiras por cada receptor que a capta dependendo do modo como se fala, dos recursos utilizados, do estado emocional dos participantes da comunicação e tantos outros fatores, na língua visual espacial essa mesma desenvoltura se emprega num discurso, principalmente se entre os interlocutores a língua não é utilizada em seu todo formal, o que a torna empobrecida e ordinária. Tal fato nos leva a indagar se o que está sendo transmitido de fato está sendo alcançado em sua totalidade, ou pelo menos em sua veracidade, mesmo que cada um tenha sua interpretação dos fatos comunicados, uma vez que cada um é um apenas.
“Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.” Bakhtin, 1997

O discurso visual espacial pode ser entendido como uma realização estética, uma vez que carrega uma intenção na comunicação, contendo um tema e um contexto, tornando cada diálogo particular, uma vez que seu locutor veicula suas particularidades. Podemos confirmar tal afirmação quando falamos do uso dos classificadores que são os recursos utilizados pelos interlocutores na busca da identidade da fala, é o que confere um grau de particularidade à fala, é a assinatura do locutor.
““Classificadores” são sinais que utilizam um conjunto específico de configurações de mãos para representar objetos incorporando ações. Tais classificadores são gerais e independem dos sinais que identificam tais objetos. É um recurso bastante produtivo que faz parte das línguas de sinais.” Ferreira-Brito (1995) in Apud Quadros (2006).

Nas línguas de sinais são vários os parâmetros que combinamos para resultar na comunicação. Os classificadores, que nem são constituídos como parâmetros uma vez que não podem ser engessados em regras, poderiam ser comparadas ao som do aparelho fonológico de cada pessoa, algumas pessoas os têm semelhantemente, mas cada um é único quando combinado com outros fatores no ato de expressão falada, essas peculiaridades, podem ser vistas como um fato artístico, visto que único na interação.
Entretanto, este mesmo recurso da língua visual espacial, os classificadores, se empregado de forma isolada e sem a intensidade necessária não trará entendimento aos participantes do diálogo. A palavra, que nas línguas visuais são os próprios sinais e assim nos referiremos, este, sozinho, não traz informação alguma senão apenas um gesto manual, mas precisa está ligado a vários outros fatores que também por si não têm sentidos, se isolados. No seu conjunto, esse sinal amparado pelos parâmetros que lhe são próprio, combinado aos classificadores, encaixado num contexto e numa cultura, ou seja, a cultura surda, usado de forma plena linguisticamente falando, resultará num discurso coerente.
A observação da estética para Bakhtin irá partir justamente de um conjunto de categorias, as particularidades da língua visual não tem sentido sozinhas, mas o seu conjunto colocado em uso na interação dá significância ao discurso, inclusive às variantes sociais e emocionais. Daí o fato da língua não poder ser vista como um ato de fala isolado, e por isso o eterno debate sobre o envolvimento dos falantes das línguas de sinais na cultura surda de forma a entrelaçar cultura e comunicação no seu sentido mais amplo.
Sinto-me num terreno minado, recheado de muitas teorias que a mim, mera iniciante, ainda parecem grandes demais para quem neste instante cambaleia tentando o equilíbrio motor de quem está descobrindo os caminhos, e firmando a planta do pé, passo a passo, nos estudos bakhtinianos.



BAKHTIN, M. M., VOLOCHINOV, V. N (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. Traduzido por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12.ed. São Paulo: Hucitec, 2004.

_________. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

QUADROS, Ronice Müller de. e SCHMIEDT, Magali L. P. Idéias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006.






[1]  Aluna Licenciada em Pedagogia, aluna ouvinte do Programa de Pós-graduação do Mestrado em Estudos de Linguagens MeEL/UFMT, participante do Grupo de Estudos “Relendo Bakhtin” (REBAK), coordenado pela professora doutora Simone de Jesus Padilha.


Nenhum comentário:

Postar um comentário