Maria Regina de Paula mreperla@hotmail.com
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Campus de Assis
O que é a arte? O que está contido nela? Cores? Formas? Padrões estéticos estabelecidos? Ou talvez, a beleza exterior que observamos em uma obra poética ou artística? Quem a vê? Quem a sente? Onde está? O que é considerado beleza em uma obra artística? O que é uma obra artística? Quem a rotula? Sob qual ponto de vista?
Estas e outras indagações chegaram-me, ao ter conhecimento de que o tema proposto para o CÍRCULO – RODAS DE CONVERSA BAKHTINIANA, neste ano, 2010, seria a respeito de Estética e Ética. Mas, se estas se referem à postura do comportamento humano, pensava eu!
Imaginava como conseguiria escrever sobre Estética e Ética, sob o ponto de vista da arte, se nunca havia pensado na arte sob o aspecto da moral? E, portanto, da Estética e da Ética?
Voloshinov (p.4, 1926) afirma que o “artístico” não se localiza nem no artefato, nem nas psiques do criador e contemplador.
Segundo ele, a comunicação artística deriva de formas sociais e retém sua própria singularidade, sendo um tipo especial de comunicação.
Mas, se existe na obra artística uma comunicação, esta advém do sujeito que a faz, imprimindo-lhe seus gostos, preferências, seu ponto de vista: seu pensamento e seu olhar ao mundo que o rodeia, sua avaliação do que seja belo e essencial; o que lhe agrada aos olhos, aos sentidos; como a vêem e a sentem, sob o ponto de vista artístico.
Segundo o autor, são estes três fatores: artefato, psique e contemplação que transformam a arte em uma obra de arte. Ou seja, quando há interação e integração entre autor-contemplador e a obra artística.
Porém, em nossa vida cotidiana podemos produzir obra de arte de forma tão sutil que muitos não a vêm; porém, ainda assim, será arte: no gesto amigável espontâneo, no pensamento salutar, na delicadeza do respeito ao outro, no aceitamento de situações ou pessoas que, em um primeiro momento, ou não a queremos em nossas relações ou nos são indiferentes.
São obras de arte produzidas pelo homem, no cotidiano, durante interações verbais em seu discurso cotidiano, e em determinado contexto social, entre falantes que se comunicam.
Estas sutilezas não estão expressas em nenhum artefato concreto; elas são obras sentidas interiormente pelo sujeito (eu), e exteriorizadas, indo ao encontro de outro sujeito (outro) cujo artefato está representado nas relações sociais de respeito ao outro.
Este outro se refere àqueles que, em determinado contexto social, nos estão mais próximos e que com os quais nos relacionamos.
Assim está representado o Estético e o Ético como escolhas de postura, em nossa vida, diariamente, nas diversas situações pelas quais passamos em diferentes contextos sociais.
Além de essas relações sociais virem acompanhadas do fator lingüístico, há também, as situações extra verbais do enunciado. Desta forma, como o dito se relaciona com o que não é dito, porém sentido?
V.N. Voloshinov (p. 9, 1930) afirma que “[...] todo enunciado parece ser constituído de duas partes: uma parte verbal e uma parte extra verbal [...]”, no que se refere aos enunciados em nossa vida cotidiana.
O falante, ao fazer uso da palavra apodera-se do léxico e da forma. Porém, no que diz respeito ao extra verbal, há três elementos que constituem um enunciado: entonação, escolha do léxico e sua disposição no interior do enunciado.
Ou seja, ao nos comunicarmos com o outro, quais os elementos prosódicos de que nos utilizamos para que possamos nos fazer melhor compreendidos?
Segundo Voloshinov (p. 9, 1930), quando uma pessoa entoa e gesticula, ela assume uma posição social ativa com respeito a certos valores sociais específicos.
Essa construção dialética que o indivíduo mantém com o outro lhes dá um movimento constituído entre a estabilidade e a instabilidade.
Robert Stam (p.12, 1992) diz que cada língua é a arena onde competem “acentos” sociais diferentemente orientados; cada palavra está sujeita a pronúncias, entonações e alusões conflitantes.
A entonação, a flexão da voz é sensível em qualquer contexto social em que se manifeste o falante, e é com ela que, em comunicação verbal, o falante estabelece coerência e correspondência com o interlocutor, para que a mesma se opere.
Em nossa vida cotidiana observamos, incontestavelmente, veracidade nas informações do referido autor. Reiteradas vezes simpatizamos com determinada pessoa, em consonância com o modo como trata o outro, nas práticas em sua comunicação.
Observamos, também, a educação e delicadeza de que se utilizou dos elementos prosódicos, no momento da sua fala.
E assim é sempre. Simpatizamos ou não com o outro pelo modo como se relaciona com os diversos eus, em suas práticas discursivas.
As relações, em qualquer que seja a classe social, são conflitantes e, não raro, permeadas por palavras que não queríamos proferir e ouvir, no entanto, proferimos e ouvimos. Muitas vezes, de modo sutil, elegante, porém carregadas de falares implícitos; a nos acolher ou a nos repelir.
Um pensamento. Uma análise. Um julgamento.
Uma fala harmoniosa (Estética), porém calculada e fria. Com recados subentendidos. Onde a retidão das palavras e a consideração pelo outro (Ética) que é, ao mesmo tempo, como o eu mesmo que pode retornar ao mesmo tom?
Em Teses Bakhtinianas, Eduardo Eide Nagai, item 6 “A dialética e a dialogia das palavras”, descreve a relação do eu com o mundo e com o outro; a relação de interação dialógica entre ambos, na qual as forças convivem e se interagem; não de forma pacífica, mas tensa, em que ninguém ganha, ninguém perde.
Nestas relações na qual locutor e interlocutor interagem; a cada um cabe-lhe defender suas idéias, suas crenças e seus valores.
Palavras, muitas vezes, carregadas de sentido; porém sozinhas no momento em que o interlocutor não compactua do pensamento do locutor por verificar que o ponto de vista do outro está impregnado, por meio de sua entonação, de elementos críticos ao seu pensamento.
Atitude que constrange ao outro, naquele momento, por não ter seu pensamento compreendido e aceito, pelo seu interlocutor. Esta situação nos faz pensar que, cada eu se constitui através de vários outros e das situações que fizeram parte de sua história de vida.
Um mesmo tema gerando dois pontos de vista conflitantes entre si, mas que, no entanto, não precisam, por este motivo, interferirem nas relações estéticas e éticas entre os sujeitos.
Eis a Ética, o respeito às crenças e pontos de vista do outro. A Estética estaria incluída na compreensão de que não somos únicos e imutáveis; da mesma forma que o outro tem pensamentos diferentes do meu; eu também posso ter liberdade de pensar de forma livre, sem interferências ou pressões.
E desta forma, cada ser vai se constituindo com as alteridades que, muitas vezes, senão sempre, são mescladas pelas diferenças. Ou, raramente, pelas igualdades.
O que importa, na verdade, é a retidão do pensamento (Ética) em relação ao outro (Estética).
Em nossas relações sociais, é extremamente importante o modo como observamos os pensamentos e atitudes do outro que não pensa e age como o eu e, ainda assim, e, também por isso, ter seu pensamento respeitado
Para Bakhtin (p.113, 2004) “[...] toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela se constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte [...]”.
Em determinado contexto social, em interações verbais, qual a postura que assume cada falante, sob o ponto de vista de aspectos contrastantes; uma vez que cada falante não detém seguidamente a palavra?
Quais os aspectos que o indivíduo referencia ao se apropriar das palavras, dirigindo-se ao outro? O que é, para ele, importante sob o ponto de vista estético, lingüístico e comportamental de vital importância, no que diz respeito aos seus anseios sociais?
Tolstoi (p.117, 2004) afirma que, ao homem, existe um pensamento para si e um pensamento para o público; sendo que este “para si” indica, apenas, uma concepção social do ouvinte que lhe é própria.
Desta forma, podemos compreender que o indivíduo que fala é um produto do meio social em que vive; significando que possa ou não ser Estético e/ou Ético.
Neste contexto é um indivíduo que vive de acordo com as ideologias de seu grupo social, sem muita clareza e consciência de posturas Estéticas; inclusive para sua própria ascensão cultural e social, com seu pensamento equilibrado e Ético no que diz respeito ao trato com o outro (s).
Quando se expressa não revela as suas posições, mas as posições advindas de seu contexto social.
Nesta situação, Bakhtin (p. 118, 2004) afirma que a consciência é uma ficção; ela é uma construção ideológica incorreta sem considerar os dados concretos da expressão social.
Desta forma, compreendemos que, assim como o pensamento e a consciência estejam no interior do indivíduo, a ação deste pensamento é exteriorizada na materialização da expressão.
Mas, uma vez que a atividade mental esteja estruturada, a expressão passa a estruturar a vida interior, uma vez que é na vida social que se organiza toda enunciação.
TARSO (p.102, Xavier) informa que “a linguagem se constitui de três elementos essenciais: expressão, maneira e voz”.
Para o autor, o homem se ajuda ou se desajuda através da linguagem. Ao falarmos, emitimos forças que destroem ou edificam; que solapam ou restauram, que ferem ou balsamizam.
Segundo TARSO (p.102), a linguagem não deve ser nem doce demais, nem amarga. Nem branda em demasia, pois afugenta a confiança, nem áspera ou contundente, quebrando a simpatia, mas sim “linguagem sã e irrepreensível”.
Referencias
BAKHTIN, MIKAIL (VOLOSHINOV). MARXISMO E FILOSOFIA DA LINGUAGEM. Editora Hucitec: São Paulo, 2004, 11ª Ed., p. 117-118.
STAM, Robert. Bakhtin: Da teoria literária à cultura de massa. Editora Ática: São Paulo, p. 12, trad. Heloísa Jahn, p. 12.
VOLOSHINOV, V.N.; BAKHTIN, M.M. Discurso na vida e discurso na arte: sobre poética sociológica. Revista Zvezda n.6, trad. Faraco, Carlos Alberto; Tezza, Cristovão, 1926, p.4.
VOLOSHINOV, V.N. Estrutura do Enunciado. Trad. Ana Vaz, 1930, p. 9.
XAVIER, FRANCISCO CANDIDO. Fonte Viva. Linguagem, cap. 43, p. 101-102, Federação Espírita Brasileira – Departamento Editorial, Brasília – DF, Rio de Janeiro – RJ
Referencia eletrônica
NAGAI, Eduardo Eide. A dialética e a dialogia das palavras. Teses Bakhtinianas, item 6.
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